Entenda o que está por trás do ‘PL da Prematuridade’

10 de julho, 2016

(HuffPost Brasil, 10/07/2016) Está tramitando na Câmara um Projeto de Lei de autoria do Deputado Federal “Professor” Victório Galli que prevê o direito de pedido de cesariana à gestante ao completar no mínimo 37 semanas de gestação, o que gerou uma grande comoção e mobilização das ativistas pelo Parto Humanizado e real autonomia da mulher.

Mas o que está de fato por trás de tudo isso? A fim de entender melhor esse PL, é importante que algumas perguntas sejam respondidas. Raquel Marques, presidente da ONG Artemis explica em um vídeo publicado em seu Facebook, o teor desse PL e suas implicações.

O que está acontecendo?

“No dia 21 de Julho o CFM emitiu uma resolução autorizando os médicos a realizarem cesarianas eletivas. Até então, realizar cesariana sem indicação clínica era um ilícito ético, o médico poderia sofrer uma sanção pelo comitê de ética do CFM. E a partir de agora não, então o CFM reconhece que isso é possível.”, explica Raquel Marques.

Por que isso é grave?

Raquel ainda acrescenta, “É muito irônico que isso aconteça logo agora porque toda sociedade está falando que o problema não é a cesariana na autonomia da mulher, o problema é ter acesso ao parto normal. Especialmente na saúde suplementar, a mulher que quer ter uma cesariana, consegue com muita facilidade, mas a mulher que quer um parto normal de qualidade, não tem acesso a esse serviço.

Recentemente, no mês de maio, um médico de Cuiabá foi descredenciado do hospital onde trabalhava, porque ele atendia parto normal humanizado e o hospital não estava gostando disso. E a gente sabe que em São Paulo isso também aconteceu. Normalmente, quem tenta defender a autonomia da mulher e defender um parto normal de qualidade, sofre sanções, é perseguido e tem uma série de dificuldades.

O CFM nunca se posicionou quanto a isso. Médicos que mentem pras mulheres com indicações indevidas de cesariana, e o CFM também nunca se posicionou quanto a isso. Então é engraçado ele usar o termo “autonomia”, sendo que agora ele quer garantir que a mulher possa escolher uma cesariana.”

Qual a situação das cesarianas no brasil?

O Brasil é campeão das cesarianas e o que mais acontece é as mulheres serem enroladas pelos médicos. Uma pesquisa da Fiocruz mostra que os índices de cesariana no Brasil é extremamente alto, sendo muito superior ao recomendado pela OMS, que recomenda apenas 15% de cesarianas, enquanto, no Brasil, até o ano de 2014 o índice era de 52% na saúde pública e 88% no setor privado.

Segundo Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa “o índice elevado de cesarianas se deve a uma cultura arraigada no Brasil de que o procedimento é a melhor maneira de se ter um filho. Em parte porque, no Brasil, o parto normal é realizado com muitas intervenções e dor”, esclarece.

Por que o conselho tomou esta medida agora?

A Doula Laura Muller explica que “antes, interromper uma gestação em qualquer período era um ilícito ético, mas agora, com o advento desse PL, passa a ser “escolha” da gestante, uma cesariana a partir das 37 semanas de gestação, em nome de uma falsa autonomia, pois, não existe escolha quando não se tem todas as informações para que se possa escolher”, ou como dizem as ativistas pelo parto humanizado e real autonomia da mulher “Praticam violência obstétrica para vender cesarianas”.

Vocês são contra a autonomia da mulher na escolha da cesariana?

“Não, de forma alguma”, diz a Doula Laura Muller, que acrescenta “Ela deve ter autonomia para escolher a cesariana, mas que seja uma escolha consciente, que lhe sejam informados todos os benefícios e principalmente os riscos que envolvem uma cesariana sem real necessidade”.

Por que a cesariana é ruim?

“A cesariana é maravilhosa quando feita com o real propósito, que é salvar vidas”, acrescenta Laura Muller, “mas uma cesariana eletiva expõe o bebê a 120 vezes maior chance de desconforto respiratório, 3 vezes maior chance de morte materna, dentre outras complicações”, explica.

Quem tem indicação de cesariana?

a médica-obstetra Melania Amorim, em seu blog “Estuda, Melania, Estuda” explica de forma bem didática quais são as reais indicações para uma cirurgia cesariana, as quais exporei abaixo:

Algumas indicações de cesariana:

INDICAÇÕES REAIS:

1) Prolapso de cordão – com dilatação não completa;

2) Descolamento prematuro da placenta com feto vivo – fora do período expulsivo;

3) Placenta prévia parcial ou total (total ou centro-parcial);

4) Apresentação córmica (situação transversa) – durante o trabalho de parto (antes pode ser tentada a versão);

5) Ruptura de vasa praevia;

6) Herpes genital com lesão ativa no momento em que se inicia o trabalho de parto (em algumas diretrizes, somente se for a primoinfecção herpética).

PODEM ACONTECER, PORÉM FREQUENTEMENTE SÃO DIAGNOSTICADAS DE FORMA EQUIVOCADA:

1) Desproporção cefalopélvica (DCP): o diagnóstico só é possível intraparto e não pode ser antecipado durante a gravidez. Em 1934 um obstetra (Barbour) já dizia que “o melhor pelvímetro é a cabeça fetal”, e é avaliando a progressão da cabeça fetal através do canal de parto na presença de contrações eficientes que pode ser aventada a suspeita de DCP;

2) Sofrimento fetal agudo (o termo mais correto atualmente é “frequência cardíaca fetal não-tranquilizadora”, exatamente para evitar diagnósticos equivocados baseados tão-somente em padrões anômalos de freqüência cardíaca fetal);

3) Parada de progressão que não resolve com as medidas habituais (correção da hipoatividade uterina, amniotomia): recentemente tanto autores como diretrizes concordam que os critérios devem ser mais elásticos. O próprio uso de ocitocina e a amniotomia não têm efetividade comprovada quando comparados com a conduta expectante;

Pela grande variação do que é fisiológico, considera-se que não é necessário intervir para apressar um parto, independente de sua duração, quando mãe e bebê estão bem.

Nota: o uso do partograma de Friedman é altamente questionável. A curva de evolução do trabalho de parto tem grande variação, recomendando-se atualmente considerar como parâmetro a curva de Zhang (2010), com percentis. Outras curvas em outras populações estão sendo estudadas.

SITUAÇÕES ESPECIAIS EM QUE A CONDUTA DEVE SER INDIVIDUALIZADA, CONSIDERANDO-SE AS PECULIARIDADES DE CADA CASO E AS EXPECTATIVAS DA GESTANTE, APÓS INFORMAÇÃO:

1) Apresentação pélvica (recomenda-se oferecer versão cefálica externa depois de 36 semanas mas se não for bem sucedida ou não for aceita pela gestante, discutir riscos e benefícios: o parto pélvico só deve ser tentado com equipe experiente e se for essa a decisão da gestante);

2) Duas ou mais cesáreas anteriores (o risco potencial de uma ruptura uterina – variando de 0,5% – 1% – deve ser pesado contra os riscos de se repetir a cesariana, que variam desde lesão vesical até hemorragia, infecção e maior chance de histerectomia); as diretrizes mais recentes não discriminam entre uma ou duas cesáreas para quem quer tentar um VBAC (Vaginal Birth After Cesarean = Parto Vaginal Após Cesárea);

3) hiv/aids (cesariana eletiva indicada se HIV + com contagem de CD4 baixa ou desconhecida e/ou carga viral acima de 1.000 cópias ou desconhecida); em franco trabalho de parto e na presença de ruptura de membranas, individualizar casos.”

A mulher não deve ter escolha sobre sua via de parto?

“A escolha da mulher precisa ser respeitada, é claro. Se ela PREFERIR passar por uma cesariana, sua escolha deve ser respeitada. Porém, muitas mulheres escolhem fazer cesariana sem informação, e muitos médicos se aproveitam desta situação, e colocam medos infundados, com informações não baseadas em evidencias científicas. Do ponto de vista financeiro, para um médico é muito mais rentável fazer uma cesariana, pois assim ele tem mais tempo para fazer outras cirurgias do mesmo porte, e com isso, ganhar mais. Esperar o tempo da mulher, respeitar sua autonomia (palavra que este PL usa para justificar a prematuridade, de forma infundada), muni-la de informação preocupada de verdade com sua saúde e a do bebê, não está nos planos reais de muitos médicos.” afirma, a psicóloga Carol Valente, em seu site “Parir-se ao Parir“.

O que vocês querem com essa manifestação?

“Que a sociedade entenda que esse não é um PL que proteja verdadeiramente a escolha das mulheres, pois sabemos que 80% começam pré-natal querendo parir e menos de 50% conseguem no sus e menos de 5% na rede privada. Assim, é mais uma desculpa que os médicos darão dizendo que a mulher escolheu interromper a gestação no limite da prematuridade”, explica a consultora de amamentação Cris B. Machado, autora da página Plantão Materno.

Quais são os prejuízos para a mãe e para o bebê?

Primeiramente há que se falar que esse PL fere a real autonomia das mulheres, uma vez que atribui a elas uma culpa que não lhes pertence.

Imaginemos a seguinte situação: O médico mostra à mulher, imagens de um parto “normal” violento, onde a mulher não tem a sua liberdade respeitada, não pode se movimentar livremente, não pode verticalizar o parto, enfim, um parto com muita, muita dor, e em seguida, mostra um vídeo de uma cirurgia cesariana, uma cirurgia rápida, aparentemente indolor. Nesse cenário não é difícil prever qual será a escolha da mulher, não é mesmo?

Logo, assim que feita a “escolha” da mulher, o médico ficaria livre da culpa porque “ela escolheu ter a criança antes das 39 semanas”.

Lembrando sempre que não há escolha sem todas as informações pertinentes.

Portanto, esse PL prega uma falsa autonomia, ferindo por conseguinte, toda autonomia pela qual lutam as ativistas do Parto Humanizado e real autonomia da mulher.

A enfermeira obstetra Grazy Alós explica os riscos de uma cesariana eletiva como a prevista no PL 5687/2016:

“Primeiro, há o risco de ser mal datado pelo Ultrassom, ser 35 semanas e não 37, o que pode desencadear problema respiratório, disfunção respiratória grave, doença membrana hialina, hipoglicemia, maior risco de icterícia neonatal, mais risco de amamentação dificultada e doenças da primeira infância, além disso, já tem estudos que mostram relação com Diabetes Tipo 1, autismo e outros problemas psicológicos e de desenvolvimento psicomotor. Pra mãe, os riscos de uma cesariana eletiva são os riscos de uma grande cirurgia, hemorragia, poder evoluir pra uma histerectomia, e os riscos associados a longo prazo pra mulher, de cesariana são: os riscos de outras gestações após a primeira cesariana, que pode desencadear acretismo placentário, abortos, placenta prévia e morte materna associada à cirurgia.”

Há meios de tornar uma cirurgia cesariana menos danosa para a mãe ou para o bebê?

“‘Danosa’ não. Uma vez que danos se entendem por complicações possíveis da cirurgia incluindo mãe e feto. Falando de cesariana com indicação real. Agora do ponto de vista da humanização podem ser feitos pequenos atos que tornam tudo mais tranquilo para mãe e feto. Mas os riscos seguem os mesmos. Luz baixa, Música, silêncio da equipe e bebê pele a pele já são itens ótimos.” explica a enfermeira obstetra Cintia Senger.

Thiago Moreira

Acesse no site de origem: Entenda o que está por trás do ‘PL da Prematuridade’ (HuffPost Brasil, 10/07/2016)

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