(Época, 01/06/2016) O levantamento feito com brasileiros mostra a vida longa de falsas alegações. Elas são uma ameaça ao combate do vírus zika, como sugere um novo estudo.
Desde que a epidemia do vírus zika – e sua associação com os casos de microcefalia – tornou-se notória em novembro do ano passado, a divulgação de estudo após estudo está ajudando a montar o quebra-cabeça da nova ameaça. Os cientistas já descobriram que o vírus é capaz de atravessar a placenta, que tem uma predileção por células nervosas e pode ser transmitido também por relações sexuais, além da picada do mosquito Aedes aegypti. Mas toda essa ciência, acompanhada quase em tempo real pelo público, parece não ser o suficiente para combater a desinformação. Um levantamento feito com 12 mil internautas brasileiros sugere que 17% ainda acreditam que vacinas estão por trás dos casos de microcefalia. A pesquisa, feita pela Qualibest, foi realizada entre março e maio e mostra o poder de boatos se alastrarem – e perdurarem.
No final do ano passado, em plena comoção nacional causada pelo surto de microcefalia, passaram a circular pelas redes sociais teorias conspiratórias sobre a origem das malformações. Entre as mais difundidas, estava a história de que a microcefalia fora causada por um lote de vacinas vencidas distribuídas em Pernambuco, algo que nunca aconteceu. Outra vertente afirmava, sem nenhuma evidência científica, que o culpado era um larvicida jogado em reservatórios para combater o Aedes aegypti. Uma versão ainda mais mirabolante dava conta de que corporações estrangeiras haviam criado o vírus zika para poder vender vacinas e remédios, algo digno de enredo de filme. E também não podemos esquecer a história que culpava os mosquitos transgênicos, machos estéreis que não picam, por transmitir o zika. O levantamento feito pela Qualibest sugere que, no mundo real, a maior parte das pessoas – 63% – sabe que microcefalia pode ser causada pelo vírus zika. Ainda assim, é especialmente preocupante que 17% atribuam os casos a vacinas, 4% ao pesticida e 16% não saibam apontar as causas. A pesquisa ouviu 46% de pessoas da classe C, 44% da classe B e 10% da classe A. A maioria – 66% – morava em capitais e regiões metropolitanas.
Os boatos acabam funcionando como explicações – nada científicas – adotadas pela população para sanar lacunas de conhecimento. São causados pela necessidade humana de relacionar causas a efeitos – ironicamente, uma das motivações que impulsiona a ciência. O problema é que os boatos podem ser perigosos. Pesquisadores da Universidade Johns Hopkins e George Washington, dos Estados Unidos, acabaram de publicar um estudo na revista científica Vaccine para medir o alcance das teorias conspiratórias sobre o zika. Os pesquisadores analisaram as mensagens de Twitter que continham as palavras-chave “zika” e “vacina” entre janeiro e abril deste ano. Eles também analisaram mensagens que continham crenças pseudocientíficas, como relacionar o zika a vacinas vencidas. O resultado: os dois gráficos eram bastante similares (imagem abaixo). Isso significa que grande parte das mensagens que falavam de zika e vacina tratava da propagação de boatos.
“Esse tipo de alegação tem potencial para se tornar arraigado, aumentando a chance de as pessoas se recusarem a receber a vacina contra zika no futuro”, escreveram os autores do estudo. As pessoas podem se recusar a tomar vacina por a considerar desnecessária. Se a microcefalia não é causada por um vírus, como dizem os boatos, por que elas teriam de se vacinar? Há também o risco de que alegações falsas sobre efeitos de vacinas, como possíveis malformações, amedrontem a população. O impacto de curto prazo é grávidas não se protegerem do Aedes, por acreditar nas falsas informações que atribuem a microcefalia a outros motivos que não à picada do mosquito infectado pelo vírus.
Tanto o levantamento brasileiro quanto o americano são importantes ao nos lembrar de como são poderosos os meios de comunicação que temos em mãos – e o tamanho de nossa responsabilidade.
Marcela Buscato
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