Em novembro de 2015, quando o Ministério da Saúde decretou estado de emergência sanitária após a constatação de que casos de microcefalia estavam associados ao vírus da zika, a neurocientista Patrícia Garcez, pesquisadora do Laboratório de Neuroplasticidade da UFRJ, alertava que aquela geração de bebês precisaria de acompanhamento médico durante anos. “Se o zika pode afetar o sistema nervoso a ponto de causar algo tão devastador e até então raro, também pode, em tese, provocar uma série de outros distúrbios de desenvolvimento, como surdez, epilepsia, problemas de cognição, de fala, motores, que não são aparentes no recém-nascido”. Um ano e meio depois, é angustiante constatar-se que o atendimento a essas crianças ainda está longe do que deveria ser. O que reduz as chances de reabilitação.
(O Globo, 07/05/2017 – Acesse o site de origem)
Reportagem do GLOBO mostrou que a maioria das mães afetadas pelo vírus da zika não consegue para seus filhos atendimento precoce e intensivo. Como diz a médica Adriana Melo — uma das pioneiras na identificação da síndrome da zika congênita —, são crianças “invisíveis”, que não aparecem nas estatísticas oficiais ou não recebem tratamento médico.
Dos 214 casos de microcefalia confirmados no país este ano, apenas 32 crianças (15%) recebem ao mesmo tempo cuidados de puericultura, estimulação precoce e atenção especializada. “Cada dia de espera por assistência é um dia perdido de reabilitação”, afirma Adriana Melo.
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O fato é que a epidemia chegou, mas União, estados e municípios não se prepararam para dar assistência às vítimas. Há relatos de famílias que não conseguem atendimento especializado em seus municípios e, quando o encontram em outra cidade, são barradas por serem de outra região. O que revela total falta de coordenação entre as várias esferas de governo.
É preciso enfatizar ainda que a microcefalia causa forte impacto na vida de pais e mães, que, muitas vezes, têm de abdicar de seus trabalhos para se dedicar às crianças, afetando a renda familiar e tornando o quadro ainda mais dramático.
O Estado tem obrigação de garantir assistência às crianças com microcefalia. Elas são vítimas de um sistema de saúde que ignora a prevenção e negligencia os doentes. Não têm culpa se, depois de décadas, o país continua a perder a guerra para um inimigo — o mosquito Aedes aegypti — que tem menos de um centímetro de comprimento.