Um grupo de 55 gestantes que foram infectadas com o vírus da zika no interior de São Paulo deu à luz bebês sem microcefalia, revela um novo estudo.
(Folha de S.Paulo, 09/06/2017 – acesse no site de origem)
Entre as crianças geradas por essas mães, 28% nasceram com alguma alteração neurológica, mas os sintomas são muito mais leves do que os detectados em recém-nascidos do Nordeste ou do Rio de Janeiro cujas mães também foram afetadas pelo vírus.
“Não tivemos nenhuma daquelas manifestações gravíssimas que haviam sido vistas antes”, disse o virologista Maurício Lacerda Nogueira, da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto), que coordenou o estudo.
“É a primeira vez que a gente consegue comparar de forma confiável os dados de duas populações diferentes afetadas pelo zika.”
Os resultados foram apresentados durante o evento Escola São Paulo de Ciência Avançada em Arbovirologia, organizado pela Fapesp (fundação paulista de fomento à pesquisa), que vai até sexta (9). A rede de pesquisa financiada pela Fapesp tem investigado diversas frentes de diagnóstico, monitoramento e terapia contra o zika.
Praticamente não há dúvidas sobre a capacidade do zika de abalar a formação do cérebro humano durante a gravidez. Experimentos feitos em células cultivadas no laboratório e em animais já mostraram que esse vírus aparentado ao da dengue tem especial “predileção” pelas células precursoras dos neurônios.
Ao se instalar nelas, ele faz com que o desenvolvimento normal do tecido do cérebro saia dos trilhos, o que explica o tamanho reduzido do órgão assim como, em certos casos, a aparência “lisa” dele (em humanos, o normal é que a camada externa do cérebro apresente inúmeras reentrâncias e dobras, para empacotar o máximo de células nervosas no mínimo de espaço).
Quando a epidemia de zika atingiu o Nordeste (e o Brasil) pela primeira vez em 2015, os pesquisadores não conseguiram acompanhar boa parte das gestantes, percebendo apenas os efeitos nos bebês, o que dificultou uma análise mais controlada, explica Nogueira.
Os primeiros resultados desse tipo de estudo vieram em 2016, quando cientistas da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro acompanharam 125 grávidas que tinham o vírus no organismo.
Cerca de 40% dos bebês nasceram com problemas sérios do sistema nervoso, 7,2% das gestações não chegaram ao fim e quatro crianças nasceram com microcefalia.
Por outro lado, nenhuma das 55 gestantes de São José do Rio Preto (SP) perdeu seu bebê e não houve casos de microcefalia.
A pergunta óbvia após a comparação dos dados envolve o porquê das diferenças. “Temos algum cofator [atuando em conjunto com o zika], mas ainda não sabemos qual”, diz o especialista.
Para Nogueira, é muito pouco provável que haja uma diferença de fundo genético que explique a maior suscetibilidade das mães e dos bebês nordestinos ao zika.
Outra possibilidade é a presença maior, entre as gestantes nordestinas, de outros fatores que podem levar à malformação fetal, como sífilis ou toxoplasmose.
Além disso, não se sabe ainda o quanto infecções anteriores pelos vírus da dengue ou da chikungunya, ambos “primos” do zika, poderiam atenuar ou potencializar a reação do organismo materno ao novo invasor.
E não se pode descartar, finalmente, que a alimentação e o estado de saúde das mães, em famílias de baixa renda, também agrave o problema.