Pesquisadora brasileira fala sobre a segunda geração de mulheres contaminadas que estão tendo filhos e da ausência de políticas oficiais a respeito
(Zero Hora, 04/03/2017 – acesse na íntegra)
Debora Diniz é uma das vozes mais constantes em defesa do avanço dos direitos das mulheres no Brasil. Antropóloga, cientista social, documentarista e professora da Universidade de Brasília (UnB) e da Fiocruz, a alagoana de 47 anos dissemina para o grande público, em livros, filmes e colunas que assina na imprensa, os temas trabalhados na pesquisa acadêmica. Está à frente da Anis – Instituto de Bioética, organização feminista dedicada à promoção dos direitos humanos.
A descriminalização do aborto está entre as pautas mais frequentes de Debora, uma das articuladoras da ação que garantiu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. A epidemia de zika reacendeu o sempre polêmico debate, em que a pesquisadora se fez presente com contundência: ela defende o direito de as gestantes infectadas pelo vírus optarem pelo fim da gestação. Uma nova ação foi encaminhada ao STF, ainda sem data para ser apreciada.
– O aborto é uma questão de direito reprodutivo fundamental, é da agenda prioritária das mulheres. É a questão mais delicada, mas que tem o maior impacto de vida, de dignidade, de saúde. Ela nunca me abandonou, e eu nunca a abandonei – diz a antropóloga, listada pela revista americana Foreign Policy entre os cem pensadores globais de 2016 por sua atuação em prol das vítimas do zika.
Debora se transferiu em janeiro para os Estados Unidos, onde viverá por um ano, frequentando as universidades de Nova York e Yale como pesquisadora visitante. Dias antes de embarcar, ela concedeu esta entrevista a Zero Hora.
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Há um ano, você escreveu um artigo no jornal The New York Times falando sobre como a epidemia de zika expôs as desigualdades sociais do Brasil: os casos estavam concentrados entre mulheres jovens, pobres, pretas e pardas, a grande maioria delas vivendo nas regiões menos desenvolvidas do país. Aprendemos alguma coisa de lá para cá?
Eu diria que a estrutura política brasileira fez uma escolha de maior silenciamento ainda. Há um ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez o anúncio da emergência global, da qual o Brasil era o epicentro. Nesse um ano, o que o governo brasileiro fez para seriamente enfrentar as consequências da epidemia do vírus zika na vida das mulheres? Não se ampliaram os canais de acesso à informação, não se introduziu o repelente contra mosquitos no pré-natal, não se ampliaram as políticas de assistência social para garantir às mulheres o cuidado com as crianças, e ainda se mantém uma confusão persistente no registro de vigilância epidemiológica no nascimento. Então, objetivamente, eu diria que estamos piores do que há um ano. Ali ainda tínhamos a OMS dizendo que era uma emergência e o mundo olhando para nós, dizendo “queremos entender”. Em novembro, a OMS retirou o quadro de emergência global porque o zika passou a ser uma doença conhecida. Não é que a situação de emergência de saúde pública acabou, é que agora sabemos que há riscos de uma mulher grávida, com zika, ter seu filho afetado. Então caímos no esquecimento, como uma doença que faz parte da vida. Mas parte da vida de quem? Aquilo que escrevi no NYT um ano atrás é mais forte ainda: nós precisamos entender que cuidar da saúde das mulheres em idade reprodutiva é cuidar da saúde pública. Tivemos uma primeira onda de mulheres infectadas por zika que agora estão cuidando dos seus bebês, que já fizeram um ano. A segunda onda, menor do que a primeira, porque tivemos um número alto de mulheres infectadas no ano retrasado, está dando à luz novamente. E quem fala dessas mulheres? Quem fala de como essas mulheres estão cuidando dessas crianças? O que aconteceu com a vida delas? Que socorro do Estado elas têm? Elas sumiram da pauta nacional.
Leia essa entrevista na íntegra: Debora Diniz: As mulheres com zika sumiram da pauta? (Zero Hora, 04/03/2017)