Epidemia está acelerando desenvolvimento de vacinas
(Jornal do Brasil, 20/12/2016 – acesse no site de origem)
Matéria publicada pelo The Wall Street Journal nesta terça-feira (20) conta que Keith Hamilton sentou-se na cadeira do paciente e se preparou para a picada de uma vacina experimental contra o vírus zika. A injeção foi a parte mais fácil. Em seguida, uma enfermeira inseriu três agulhas minúsculas em seu braço com um dispositivo que deu dois choques elétricos fortes o suficiente para contrair o músculo. Hamilton, um médico de doenças infecciosas, fazia uma pausa no trabalho para se voluntariar no teste histórico de uma vacina de próxima geração na Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia.
O Journal avalia que a epidemia do vírus zika está acelerando o desenvolvimento de vacinas experimentais contra essa e outras doenças infecciosas com o uso de DNA. Elas podem se tornar a melhor defesa de vários países contra surtos dessas doenças que têm se espalhado pelo mundo com uma velocidade alarmante, impulsionados pelo crescimento da população e pelo aumento das viagens internacionais. Essas vacinas, feitas com DNA sintético, podem ser desenvolvidas e produzidas rapidamente. Nos últimos meses, pesquisadores nos EUA e no Canadá já injetaram em dezenas de voluntários duas vacinas concorrentes feitas a partir de DNA com a meta de criar imunidade contra o vírus zika. Transmitido pelo mosquito aedes aegypti, ele já causou centenas de malformações congênitas, incluindo danos cerebrais e morte fetal, principalmente no Brasil. A Inovio Pharmaceuticals Inc., farmacêutica que produz uma das vacinas que está sendo testada na Universidade da Pensilvânia, está numa corrida para lançar a droga acompanhada do “dispositivo de eletroporação”, ferramenta do tamanho de uma escova de dentes elétrica que usa um choque elétrico para ajudar a vacina de DNA a entrar nas células humanas.
O jornal norte-americano acrescenta que embora apresente problemas significativos, alguns pesquisadores acreditam que as vacinas de DNA possam fornecer formas mais rápidas e efetivas para combater zika, ebola e outros vírus e bactérias mortais que já afetaram milhões de pessoas. Os cientistas podem desenvolver vacinas de DNA em questão de semanas e começar os testes em humanos em meses. As vacinas de DNA também podem gerar imunidade mais duradoura que as convencionais e, em alguns casos, até curar a doença para a qual ela provê defesas. As vacinas convencionais demoram anos para ser desenvolvidas e testadas. Elas frequentemente custam mais do que provavelmente as farmacêuticas conseguirão recuperar com as vendas, especialmente nos países tropicais pobres onde as doenças se originam. O baixo retorno financeiro desencoraja muitas empresas a produzir vacinas para novas doenças.
O diário destaca que mesmo assim, há muito em jogo, concluiu relatório de especialistas em saúde da Academia Nacional de Medicina dos EUA de 2016. Mais de 41 milhões de pessoas morreram em todo o mundo nos últimos dez anos de Aids, malária, tuberculose, ebola e outras doenças, segundo pesquisa do Instituto de Medidas e Avaliações de Saúde da Universidade de Washington. O vírus zika infectou mais de 170 mil pessoas nas Américas, de acordo com a Organização Panamericana de Saúde, com suspeitas de outras centenas de milhares de casos. O Brasil deve enfrentar o ressurgimento do vírus durante o verão. As vacinas tradicionais são desenvolvidas com a criação de vírus e bactérias em laboratório, o que leva anos. Já as vacinas de DNA são produzidas com a inserção de um gene específico de determinado vírus ou bactéria em fragmentos de DNA sintético chamados de plasmídeos, um hospedeiro multifuncional.
No ano passado, quando ficou claro que o vírus zika se alastrava rapidamente, pesquisadores do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA (NIAID, na sigla em inglês) recuperaram uma vacina experimental de DNA que a agência havia desenvolvido cerca de dez anos antes para a febre do Nilo Ocidental. Embora ela tenha se mostrado promissora em testes com humanos, nenhum parceiro comercial aceitou produzi-la. A agência reformulou a vacina do Nilo Ocidental, substituindo um gene por um do zika na plataforma do DNA, diz Anthony Fauci, diretor da NIAID.
A NIAID levou menos de quatro meses entre o momento em que estabeleceu o projeto da vacina até iniciar os testes em humanos, diz Barney Graham, diretor adjunto do Centro de Pesquisa de Vacinas do NIAID. Os testes para avaliar sua segurança em humanos, e ver a resposta imunológica, começaram em agosto. Resultados iniciais são esperados para o fim do ano. As vacinas de DNA da Inovio e da NIAID foram as primeiras a serem testadas em humanos, entre quase 30 vacinas contra zika em desenvolvimento, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Mesmo se as vacinas da Inovio e da NIAID funcionarem em testes humanos, elas não devem ser lançadas comercialmente pelo menos por mais dois anos para atender a exigências regulatórias de eficácia e segurança.
De uma perspectiva comercial, o mercado pode ser pequeno se as autoridades de saúde pública determinarem que a vacina contra zika precisa apenas ser estocada para emergências em vez de administradas rotineiramente na população em geral.
As empresas que tentam desenvolver vacinas contra zika esperam que a demanda pública por uma imunização generalizada crie um mercado comercial similar à vacina para rubéola, outra doença que causa malformação fetal. Nenhuma vacina contra zika deve ter como alvo mulheres grávidas devido aos possíveis riscos, mas deve ser aplicada amplamente na população jovem.
Centenas de milhões de pessoas estão em risco, diz Thomas Monath, diretor de operações da divisão de doenças infecciosas da NewLink Genetics Corp., que está desenvolvendo duas vacinas contra zika. A doença “é a maior oportunidade [para o desenvolvimento] de uma nova vacina que surgiu em toda minha carreira, e estou neste setor há 40 anos”, diz ele.
Cientistas têm trabalhado na criação de vacinas de DNA para todo tipo de doença há 25 anos. Mas o maior problema é que as células humanas não as absorvem facilmente. O dispositivo de eletroporação da Inovio pretende ser uma solução. Depois que a vacina é aplicada no braço, o dispositivo gera uma corrente elétrica suave no mesmo local, abrindo temporariamente as membranas das células para permitir a entrada do DNA. “É o fogo que cozinha o alimento”, diz J. Joseph Kim, diretor-presidente da Inovio.
Em meados de 2015, Kim leu sobre a propagação do vírus zika na América do Sul e começou a trabalhar em uma vacina de DNA para combatê-lo. Ele precisou apenas de duas semanas para criar as sequências de DNA no computador e produzir um pequeno volume. Em dezembro, a vacina era testada em ratos.
Em junho, a FDA, a agência que regula os alimentos e medicamentos nos EUA, aprovou o estudo em humanos, com base em testes em animais que mostraram que a vacina criou imunidade ao vírus zika.
Os testes da Inovio, iniciados em julho, devem ser concluídos este mês. A Inovio já tem um histórico de sucesso com vacinas de DNA. Ela obteve resultados positivos para sua vacina contra o ebola; 64 dos 69 receptores criaram uma forte resposta imunológica depois de três doses.