Estudo obtém primeira imagem 3D do vírus zika

31 de março, 2016

(O Globo, 31/03/2016) Representação ajudará na produção de vacinas, testes de diagnóstico e para saber porque vírus de propagou tão depressa.

Cinco novos estudos internacionais apresentados esta semana trazem revelações sobre o ainda misterioso zika. O mais significativo deles, produzido nos Estados Unidos, traça o primeiro retrato tridimensional em alta resolução do vírus. Mais que mera curiosidade, funciona como um mapa para encontrar seus pontos vulneráveis e outros aspectos que facilitam sua propagação e aumentam a sua agressividade. Publicado numa das bíblias da pesquisa mundial, a “Science”, o material promete acelerar ainda o desenvolvimento de vacinas, testes e remédios. Um segundo estudo descreve mais um caso de deformidades neurológicas em feto, com o diferencial de que a mãe, uma finlandesa, contraiu a doença numa viagem a países da América Central.

SEM DINHEIRO NO RIO

Em comum, os cinco trazem mais e essenciais elementos para o combate da epidemia. Porém, cientistas brasileiros advertem que evidenciam também a necessidade de parcerias e desenvolvimento de pesquisas que atendam aos interesses nacionais. Eles citam, por exemplo, as vacinas da hepatite B, cuja dose internacional custava US$ 50 nos anos 90 e a brasileira, US$ 1. Lembram, ainda, a vacina recém-aprovada para a dengue, em fase experimental, que sai por RS$ 80 a dose. O Instituto Butantã tenta finalizar uma de baixo custo.

Com um orçamento de US$ 250 milhões só para a área biológica, a Universidade de Purdue, em Indiana (EUA), tem um equipamento que permite construir uma espécie de lego molecular do vírus. Com isso, o zika é visto na intimidade de seus átomos. Um grupo liderado por Richard Kuhn e Michael Rossmann, dois dos maiores especialistas do mundo nesse tipo de estudo, identificou uma região que é forte candidata a ser o saco de maldades apresentado pelo vírus no Brasil e em outros países das Américas.

Essa região está presente na chamada linhagem Polinésia do zika, a mesma que desembarcou aqui em meados de 2013. O grupo também encontrou partes da estrutura do vírus que o distinguem de outros flavivírus, como os causadores da dengue, da febre amarela e da encefalite japonesa. Essas áreas são alvos em potencial para vacinas, remédios e testes de diagnóstico confiáveis e ainda inexistentes.

Especialista na mesma área de estudo, o professor titular de bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima Silva, diz que o trabalho é um passo importante para o combate ao zika. Ele, porém, preocupa-se com o destino de pesquisas semelhantes no Brasil.

— A UFRJ tem um trabalho assim com o vírus da dengue. Só o Rio respondia por 36% das pesquisas de dengue no Brasil. Mas agora temos linhas inteiras de pesquisas estratégicas sendo cortadas por falta de recursos — lamenta o pesquisador, que preside a Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular.

Uma das primeiras aplicações do zika em 3D será o desenvolvimento de testes de diagnóstico rápidos, baratos e capazes de diferenciar o vírus de outros agentes, como o da dengue, por exemplo.

— Esse é um problema crítico em países que sofrem com epidemias simultâneas dessas doenças, como o Brasil — afirmou Theodore Pierson, um dos autores do estudo publicado na “Science” e pesquisador do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA.

Se testes e vacinas se mostram como primeiras aplicações do retrato 3D do zika, duas outras pesquisas buscaram oferecer alguma luz para os casos de microcefalia e outros distúrbios neurológicos em fetos. O primeiro, na revista “The New England Journal of Medicine”, apresenta novos distúrbios fetais associados ao vírus e propõe parâmetros para a avaliação de casos.

O estudo descreve o caso de uma finlandesa de 33 anos que viajou de férias com o marido para Belize e Guatemala, além do México — todos com registros de zika —, em novembro de 2015. Ela estava na 11ª semana de gestação e apresentou os sintomas da doença um dias após voltar a Washington, nos Estados Unidos, onde vive. O marido adoeceu em seguida com zika. Exames genéticos do vírus apontaram a Guatemala como a origem mais provável da infecção.

ANOMALIAS EM FETO

Três ultrassonografias revelaram anomalias no feto, e o vírus foi detectado no sangue da mulher. Na 20ª semana de gestação, uma ultrassonografia revelou não só severa microcefalia, como destruição ou ausência de várias estruturas cerebrais. O córtex cerebral, por exemplo, uma das áreas mais importantes do sistema nervoso, era quase inexistente. A mulher decidiu abortar na 21ª semana de gravidez. Exames no feto identificaram o zika em alta concentração no cérebro e, em menor escala, em músculos, no fígado, nos pulmões e no baço.

Além de descrever uma série de anomalias no cérebro do feto, o estudo traz uma novidade significativa: mostra que o vírus pode ser detectado no sangue da mãe até dez semanas depois de os sintomas da infecção (a chamada fase virêmica) terem desaparecido. A líder do estudo, Rita W. Driggers, da Universidade Johns Hopkins, suspeita que a permanência do zika no sangue da mãe foi consequência da replicação do vírus no feto e na placenta.

Uma outra pesquisa, publicada na revista “Cell Stem Cell”, indicou uma possível porta de entrada para o zika nas células nervosas. Chamada receptor AXL, ela é comum a variados tipos de células. Segundo o neurocientista Stevens Rehen, especialista em células-tronco da UFRJ e do instituto IDor, no entanto, falta explicar por que outros vírus, que também usam o AXL, não causam o mesmo estrago.

Uma das pesquisas analisou a capacidade de mosquitos transmitirem zika e dengue. E outra fez uma revisão das incertezas sobre os efeitos do zika sobre o sistema nervoso.

Ana Lucia Azevedo

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