Na cama ao lado do irmão, Ana Vitória da Silva Araújo, agia como uma criança de um ano, como ela é. Sorria e balbuciava, arrancando a chupeta da boca de João.
Seu irmão parecia ignorá-la. De olhos fechados, sua boca fazia o movimento de sugar. Era o comportamento típico de um recém-nascido. No entanto, ele tem exatamente a mesma idade de Ana Vitória — são gêmeos.
(O Estado de S. Paulo, 08/05/2017 – Acesse o site de origem)
João Lucas nasceu com microcefalia porque sua mãe foi picada por um mosquito infectado pelo zika durante a gravidez. Mas o vírus que atacou seu cérebro no ventre materno aparentemente poupou a irmã.
Os irmãos são um dos nove pares de gêmeos identificados na crise do zika no Brasil. Os cientistas esperam que eles possam lançar alguma luz sobre o funcionamento do vírus. Determinar por que apenas um gêmeo foi infectado poderá esclarecer de que maneira o zika atravessa a placenta, como penetra no cérebro, e se alguma mutação torna um feto mais suscetível.
Até pouco tempo atrás, os gêmeos infectados por zika no Brasil pareciam apresentar um padrão, disse Mayana Zatz, geneticista da Universidade de São Paulo. Os casos incluem dois pares de gêmeos idênticos, e ambas as crianças de cada par têm microcefalia, ela disse. Há também seis pares de gêmeos fraternos em que um gêmeo tem microcefalia, enquanto o outro parece não ter sido infectado. Como os gêmeos idênticos compartilham de uma única placenta, enquanto os fraternos quase sempre têm placentas separadas, os especialistas sugeriram que o vírus zika pode ter penetrado em uma placenta, e não na outra. Mas um par de gêmeos quebrou o padrão. Eles são fraternos e tinham placentas separadas — mas ambos têm microcefalia.
A médica Vanessa van der Linden, que ajudou a descobrir que o zika provoca microcefalia, disse que é possível que em alguns casos o vírus tenha atravessado ambas as placentas, mas os gêmeos tinham diferenças genéticas que fizeram com que “as crianças reagissem de maneira diferente ao vírus”.
O laboratório de Zatz retirou sangue de gêmeos infectados e de não infectados e está cultivando células cerebrais de suas células tronco. O objetivo do teste é saber quais destas células são suscetíveis à infecção do zika. Isso poderia mostrar se alguns gêmeos têm predisposições genéticas que tornam mais provável a infecção do zika. “Acredito que a explicação será complexa”, afirmou.
Quando João Lucas e sua irmã gêmea nasceram, em agosto de 2015, a mãe, Neide Maria Ferreira da Silva, não sabia que ele tinha microcefalia. Um médico especialista em neonatos com deficiências recomendou que ela procurasse um geneticista. Demorou um mês para que Neide, 42, levasse João Lucas ao geneticista, que disse: “O cérebro dele não é como o nosso”.
Valéria Gomes Ribeiro segurando João Lucas, que tem microcefalia, enquanto sua irmã gêmea fraterna não tem (Adriana Zehbrauskas para The New York Times)
Neide encarregou a prima de uma vizinha de cuidar dele. Esta prima, Valéria Gomes Ribeiro, 46, levou a criança para um neurologista. O médico prescreveu Clonazepan, um medicamento contra a ansiedade, para acalmá-lo, mas quando João Lucas chegou em casa, Neide achou que alguma coisa estava errada. As duas mulheres concordaram que João Lucas deveria morar com Valéria, e Ana Vitória ficaria com a mãe.
Até o momento, Ana Vitória parece não ter sido afetada, mas continua sendo monitorada pelos médicos. Na consulta realizada quando ela fez um ano, foi constatado um ligeiro atraso em seu desenvolvimento. Seu vocabulário era limitado e ela demorava para apontar para a mãe quando solicitada.
Talvez isto não tenha relação com o zika; entretanto, a mãe observou: “O médico nunca disse que estava 100% seguro de que ela não tenha um problema”.