Ninguém sabe por que a epidemia de microcefalia predominou no Nordeste

12 de setembro, 2017

Dois anos após o início do nascimento dos bebês com microcefalia no Brasil, o mistério continua: por que a alta concentração dos casos ocorreu apenas no Nordeste brasileiro?

(Folha de S.Paulo, 12/09/2017 – acesse no site de origem)

A proporção de danos causados pela agora chamada síndrome congênita de zika não se replicou em outras regiões do Brasil tampouco em outros países que enfrentaram posteriormente epidemias do vírus, como Colômbia, Porto Rico, regiões dos EUA e do sudeste asiático.

Nesses locais, em média 7% das mulheres que contraíram zika tiveram seus bebês afetados. Em 2015, no Nordeste brasileiro, as taxas de defeitos congênitos parecem ter sido muito maiores e mais graves. Naquele ano, nasceram na região 1.373 bebês com a síndrome de zika.

Não se sabe, no entanto, qual o percentual de bebês afetados porque ninguém faz ideia de quantas mulheres foram infectadas pelo vírus da zika. Naquele período, a doença ainda não era de notificação compulsória e não existiam testes diagnósticos.

Pelo alto número de bebês com a síndrome, é possível imaginar que a quantidade de mulheres infectadas também tenha sido muito alta, muito mais do que em qualquer outro lugar. Mas por quê?

Há vários estudos em curso tentando desvendar esse mistério. No entanto, os pesquisadores enfrentam imensos obstáculos na tentativa de provar uma teoria ou outra.

Um trabalho retrospectivo que está em andamento tenta calcular exatamente quantas grávidas foram infectadas em 2015. Mulheres do Nordeste que estavam gestantes durante o primeiro surto estão sendo testadas. Mas é um trabalho lento e difícil.

Alguns pesquisadores acreditam que o Nordeste pode ter tido um surto rápido, de uma cepa particularmente prejudicial de vírus que varreu uma população “virgem”. Em outros lugares, a transmissão teria sido mais lenta, com menos mosquitos.

Uma das principais linhas de pesquisa tenta saber se mulheres que anteriormente haviam sido expostas a outros arbovírus, como o da dengue, tiveram algum grau de proteção contra zika ou dos seus efeitos mais graves. Ou não. Há outros estudos indo exatamente na linha contrária, com a hipótese de que anticorpos da dengue serviram para tornar o zika mais virulento.

Outros trabalhos demonstraram que as áreas que registraram taxas mais altas da síndrome, também tiveram menores índices de cobertura de vacinação contra febre amarela.

Essa hipótese se encaixa no fato de que, em Recife, o maior número de bebês nascidos com a síndrome de zika congênita se concentrou entre mulheres mais jovens, justamente aquelas que tiveram menos tempo para serem expostas à dengue ou para serem vacinadas contra a vacina da febre amarela.

Existe ainda uma outra hipótese, a do gado. Alguns levantamentos apontam que os casos mais graves da síndrome ocorreram mais em cidades pequenas e áreas rurais pouco povoadas, onde há presença mais densa de gado. A suposição é que a exposição anterior ou simultânea de uma mulher a outro patógeno presente na vaca ou no porco, como o vírus da diarreia viral bovina, poderia ter causado a síndrome.

Para Fátima Marinho, coordenadora de análise epidemiológica e de informação do Ministério da Saúde, é bem provável que algo, além do vírus da zika, tenha ocorrido em parte do Nordeste em 2015 e colaborado para a epidemia de microcefalia.

Esse cofator pode ser ambiental (como a água), biológico (envolvimento de outros vírus) ou até genético (alguma coisa na composição genética que tenha tornado as mulheres no Nordeste mais suscetíveis).

Todas essas hipóteses estão sendo investigadas. Mas o momento é crítico. As crises política e econômica que afetam o país têm reduzido orçamentos de pesquisa e sucateado laboratórios públicos. Com esse cenário, fica ainda mais improvável que se descubra a curto prazo o que ocorreu no Nordeste em 2015.

Claudia Collucci

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