(Folha de S. Paulo/Editorial, 18/08/2016) Primeiro veio a dengue, à qual, após vários anos de epidemias recorrentes, o país já se acostumava. Depois, apareceu a chikungunya, que, pelo menos no início, se manteve relativamente modesta.
Em seguida foi a vez da zika. Seus efeitos devastadores sobre o cérebro de fetos fizeram com que ganhasse as manchetes pelo mundo. É como se o Brasil tivesse se tornado alvo de uma tempestade viral.
Antes de alguém concluir que o país caiu vítima de um castigo divino, cabe assinalar que existem explicações racionais para isso.
O mosquito Aedes aegypti, principal vetor urbano dessas moléstias, adaptou-se com enorme sucesso às cidades brasileiras. Hoje, ele consegue reproduzir-se de modo prolífico mesmo em quantidades mínimas de água.
Alguns anos atrás, o mosquito tinha clara preferência por água limpa; agora, consegue procriar também em água suja. Tornou-se ainda resistente a vários inseticidas.
A grande mobilidade da população mundial favorece a importação de viroses das florestas tropicais do globo. A chikungunya, por exemplo, parece ter vindo da região entre o norte de Moçambique e o sudeste da Tanzânia (seu nome, em língua makonde, significa “aqueles que se dobram”, alusão às dores articulares que causa).
Basta que um viajante infectado, esteja ele com ou sem sintomas, chegue ao Brasil de avião. O A. aegypti se encarrega de fazer o resto.
A preocupação de médicos agora é com o perfil epidemiológico da chikungunya no próximo verão.
O número de casos no país está em alta. No primeiro semestre deste ano, foram 170 mil notificações, dez vezes a cifra de igual período em 2015. Os Estados mais atingidos são do Nordeste, mas o Sudeste também teve incidência maior.
O temor de que a doença atinja proporções epidêmicas em todo o país é corroborado pela experiência de ilhas caribenhas. Ali, a taxa de ataque (parcela de pessoas afetadas em relação ao número das expostas) variou de 38% a 63%.
A chikungunya tende a ser uma doença menos letal do que a dengue. Choques hemorrágicos, a principal “causa mortis” da dengue, são raros com ela.
Suas repercussões, contudo, podem ser muito mais duradouras: estima-se que 20% dos pacientes passem a padecer de dores articulares crônicas, que reduzem a qualidade de vida e a produtividade.
Esses doentes crônicos, além do mais, vão precisar de acompanhamento médico constante. Como no caso da zika e dos bebês com microcefalia, o SUS não parece preparado para atendê-los bem.
Acesse no site de origem: Da zika à chikungunya (Folha de S. Paulo, 18/08/2016)