(Exame, 21/05/2016) No final do ano passado e durante os primeiros meses de 2016, muitas reportagens falaram sobre a explosão do vírus zika na América do Sul.
Mais de 1,5 milhão de brasileiros contraíram a infecção. Ainda mais preocupantes foram os relatos sobre milhares de casos de microcefalia – crianças nascidas com crescimento anormal de suas cabeças devido a um dano cerebral que acontece ainda no útero da mãe. A cada semana, mais e mais crianças nasciam com o problema de desenvolvimento.
Mas estimativas recentes do Brasil reverteram essa tendência. Na última semana, o número total de casos reportados, entre os confirmados e as suspeitas, de zika com a implicação da microcefalia foi de 4.759, ou seja, 500 a menos do que dois meses atrás.
Por que a quantidade de casos está em queda? Isso significa que os dados anteriores sobre o zika estavam errados? Acabou o pânico sobre o vírus zika?
Diagnósticos
Uma possibilidade é que a microcefalia, antes do surto de zika, tinha um número abaixo da realidade no Brasil. Antes de 2015, 200 casos eram reportados por ano no país. Porém, essa taxa parece ser surpreendentemente baixa. Estudos internacionais sugerem que a microcefalia (na ausência do vírus zika) ocorre aproximadamente em seis a cada 10.000 nascimentos. No Brasil, a taxa de natalidade é de 2,9 milhões ao ano, o que resultaria em 1.700 casos por ano.
Então, parte dos novos casos pode ter sido devido ao diagnóstico de casos de microcefalia que não eram necessariamente relatados antes da proliferação do zika.
Casos confirmados
A atenção intensa à microcefalia levou a um número inflado de diagnósticos dessa má formação cerebral?
O último documento do Ministério da Saúde brasileiro mostra que 7.438 casos de microcefalia foram notificados até dia 7 de maio. Da metade dos que foram investigados até o momento, apenas cerca de um terço (1.300) dos casos foram confirmados como incidência de microcefalia relacionada ao zika.
Isso indica o desafio de conseguir um diagnóstico preciso. Bebês podem ter cabeças pequenas por uma série de razões, então não é surpreendente que alguns casos acabem não sendo devido ao vírus zika.
O diagnóstico mudou
Fora isso, a definição da microcefalia mudou no Brasil. Antes de dezembro de 2015, essa má formação era relacionada a recém-nascidos com cabeça que tem menos de 33 cm de circunferência. Em dezembro, especialistas decidiram que essa definição era muito generosa: ela classificaria mais de 600.000 bebês brasileiros com microcefalia, ainda que a maioria se desenvolveria normalmente. Subsequentemente, a Organização Panamericana de Saúde recomendou definições mais brandas para bebês do sexo feminino (que normalmente são menores logo que nascem), enquanto outro grupo recomendou o uso de recentes padrões de crescimento, os gráficos de Intergrowth.
Então, outra razão para a queda de registro de casos de microcefalia no Brasil é que o diagnóstico ficou mais específico.
Estatisticamente normal
A questão de como devemos definir a microcefalia sobrepõe-se com uma questão filosófica mais ampla – definimos como doença ou deficiência? Algumas condições são definidas por referência pelo que é estatisticamente normal para uma população. Mas faz sentido dizer que crianças que têm cabeças menores do que o que é usual têm uma “doença”? O que queremos saber é se o bebê tem problemas cerebrais que podem ter sido ocasionados pelo vírus zika. Mas bebês com cabeças de tamanho normal podem ter problemas causados pela zika, enquanto outras crianças têm cabeças pequenas porque é uma característica familiar. Determinar o que é uma taxa estatisticamente normal ou anormal pode ser útil para pesquisadores, mas o que importa eticamente é se algo afeta o nosso bem-estar.
Há também uma perda com o uso de diferentes critérios para identificar uma condição médica. A maioria dos casos que é identificada por meio de uma definição estrita terá um problema. Mas essas definições também podem causar a não identificação de alguns casos. Então depende se estamos mais preocupados com bebês saudáveis diagnosticados erroneamente com microcefalia ou com bebês que têm microcefalia não receberem o diagnóstico correto.
Se estamos conduzindo pesquisa sobre o zika, seria útil ter uma definição inicialmente generosa. Isso levaria à identificação de tantos casos quanto possível e permitiria que um grande volume de informações fosse obtido sobre os efeitos da infecção. Entretanto, se estamos preocupados com os bebês individualmente, pode ser melhor termos uma definição mais estrita da má formação. Uma razão para isso é porque os bebês que têm microcefalia no Brasil irão potencialmente precisar de mais testes, particularmente tomografias computadorizadas do cérebro, que podem ter efeitos colaterais em bebês. Em um sistema de saúde com recursos limitados, pode ser importante manter o foco dos esforços nos casos mais severos.
Será o fim?
Ainda não sabemos se a redução de casos reportados de microcefalia relacionada à zika significa que a epidemia está em seu fim. Alguns modelos da doença preveem uma queda em casos no início de 2016. A redução pode ser por causa do aumento de níveis de imunidade ao vírus.
Entretanto, há também preocupações com relação à propagação do vírus para novas áreas e novas populações que não estão imunes a ele, particularmente nas Olimpíadas do Rio, que acontecem ainda neste ano e levarão muitas pessoas de fora para a cidade. A outra pergunta sem resposta é se os casos de microcefalia são a ponta do iceberg. É possível que a infecção por zika em mulheres grávidas possa causa mais problemas cerebrais aos bebês (por exemplo, causando surdez) que não serão aparentes por algum tempo. Então, enquanto as notícias sobre a redução dos casos de zika são reconfortantes, ainda é muito cedo para relaxarmos.
Este texto foi publicado originalmente no site The Conversation. Ele foi escrito por Dominic Wilkinson, consultor de neonatologia e diretor de Ética Médica na Universidade de Oxford.
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