O país prepara uma série de homenagens às mulheres em alusão ao dia 8 de março, mas se esqueceu depressa de um grupo muito especial, que até bem pouco tempo tinha todos os holofotes: as mulheres vítimas do vírus da zika e seus bebês com microcefalia.
(Folha de S.Paulo, 07/03/2017 – acesse no site de origem)
Pouco mais de um ano de declarada a emergência global pela OMS (Organização Mundial da Saúde), essas mulheres, a maioria vivendo abaixo da linha de pobreza, voltaram para a invisibilidade, com problemas agora multiplicados.
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Várias delas ainda esperam a liberação do BPC, Benefício de Prestação Continuada, concedido pelo INSS a idosos ou pessoas portadoras de alguma deficiência e que ganham menos de um quarto do salário mínimo por mês.
Outras mulheres enfrentam dificuldade para conseguir transporte público e, assim, levar os filhos aos serviços de saúde. E há as que ainda aguardam vagas em centros de reabilitação. Muitas sofrem com isso tudo sem os parceiros. Ou porque foram abandonadas pelos namorados ou porque o marido é ausente mesmo. A lista das agruras é interminável.
Nesta semana de tantas felicitações pelo “Dia Internacional da Mulher”, tenho pensado muito nessas mulheres que conheci ano passado em viagens pelo sertão da Paraíba, Salvador (BA) e Recife (Pernambuco).
Penso no choro e na tristeza de Raquel Barbosa, 25, mãe das gêmeas Heloá e Heloísa, que nasceram com síndrome congênita da zika (além da microcefalia, têm calcificações, pés e mãos tortos).
“Têm dias que acho que vou enlouquecer. Só penso em largar tudo e sumir”, confidenciou-me a jovem, que tem outra filha de dois anos. Largar tudo e sumir do mapa foi o que fez sua irmã mais velha 15 anos atrás, quando deu luz a um filho com paralisia cerebral.
Lembro-me também da mãe de Raquel, Maria José, que cuida de Heloá e do neto deficiente abandonado pela mãe. Rugas profundas marcam o seu rosto, faltam-lhe dentes e os cabelos estão todos brancos. Ela só tem 51 anos.
Penso ainda no olhar cansado e resignado de Adriana Soares, 30, mãe de João Miguel, de seis meses, também diagnosticado com microcefalia. Mãe de outros quatro filhos, foi abandonada pelo namorado tão logo soube da gravidez de João.
A menorzinha tem dois anos e chora muito desde o nascimento do irmão. O bebê também não dá sossego. “Ele dorme pouco, menos de uma hora por noite. Passo as noites em claro”, contou-me Adriana. Para que o filho faça fisioterapia em Campina Grande, a 72 km do sítio onde mora, ela faz uma peregrinação que começa 24 horas antes.
Penso também na incansável Valéria Ribeiro, 46, que adotou João, de um ano e quatro meses, outra vítima do vírus da zika. Todos os dias acorda às 3h da manhã e inicia uma maratona em busca de terapias para o filho. Pega de oito a dez ônibus por dia. Às vezes, vai em pé mesmo porque ninguém lhe cede lugar para sentar.
Conversar com cada uma dessas mulheres e tantas outras que tiveram as vidas afetadas pelo zika é constatar violações de direitos de todas as ordens, a começar pelos reprodutivos. São mulheres vítimas de um Estado omisso, que permite epidemias causadas pelo mosquito Aedes aegypti há mais de três décadas, mas que não se responsabiliza pelas consequências nefastas.
Mais do que homenagens, meninas, vocês mereceriam neste dia 8 de março um pedido público de desculpas. Mas, para isso, seria preciso primeiro que o país voltasse a se lembrar da existência de vocês.
Por Cláudia Collucci