Nesse período, segundo GDF, oito crianças foram notificadas com alguma alteração neurológica associada ao vírus; duas apenas em 2017. Ministério da Saúde fala em 19 casos.
(G1, 01/10/2017 – acesse no site de origem)
No primeiro semestre de 2015 um vírus pouco conhecido circulava pelo país dentro de um mosquito. Há exatos dois anos – fim do mês de setembro e início de outubro – gestantes infectadas pelo que se descobriu ser o vírus da zika começaram a dar à luz crianças com algum tipo de malformação no cérebro.
No Distrito Federal, oito casos foram confirmados pela Secretaria de Saúde, inclusive com diagnóstico de microcefalia; dois deles apenas em 2017. Já o Ministério da Saúde considera 19 casos confirmados de alterações neurológicas “possivelmente relacionadas à infecção pelo vírus da zika”.
Passados 24 meses, esses bebês com microcefalia cresceram e as famílias ainda enfrentam o desafio de garantir um atendimento adequado a essas crianças. O medo das gestantes de contrair a infecção por meio do principal vetor, o mosquito Aedes aegypti, ainda persiste.
Três famílias do DF aceitaram falar com exclusividade ao G1 sobre os desafios do desenvolvimento dos bebês com microcefalia, o acompanhamento ofertado na rede pública de saúde e, principalmente, sobre o atual momento, considerado por alguns como de “esquecimento da doença”. Algumas mães também contaram como receberam o diagnóstico, duas delas somente após o parto.
Conheça as histórias:
Jessé, 10 meses
No colo da mãe, Jessé Tavares, de 10 meses, chora insistentemente. Com um óculos azul preso ao rosto para corrigir o estrabismo e aperfeiçoar a visão, o bebê participa de mais uma sessão do programa de educação precoce em uma escola para “crianças especiais” em Ceilândia. A irritabilidade, os pais dizem que é comum à patologia do filho.
Jessé nasceu com microcefalia no fim do ano passado no Hospital Regional de Ceilândia. Ele é o segundo filho de Vanessa Tavares, de 36 anos, ex-moradora do DF que hoje vive em uma região do Entorno.
Vanessa diz que percebeu os sintomas da infecção pelo vírus da zika durante a oitava semana de gravidez. Ela diz que na época contou ao médico sobre a febre e a vermelhidão no corpo. “Fiz um pré-natal muito rigoroso no hospital e, inclusive, fiquei internada por três meses durante a gestação”. A mulher afirma que nessa época não foi informada sobre a microcefalia do filho. (veja vídeo)
“Tirei 10 ecografias e nenhuma acusou nada. Quando fiquei internada, o médico disse que meu bebê tinha um ‘problema muito sério’ mas não falou em microcefalia. Inventou mil histórias e só fazia me deixar apavorada.”
O diagnóstico da microcefalia de Jessé só veio quando ele nasceu, em novembro de 2016. Vanessa diz que não conhecia a doença e não tinha muitas informações. “Foi um susto muito grande porque, na minha concepção, o diagnóstico é descoberto na gravidez, no pré-natal. Não tínhamos informações da doença, mas hoje já estamos bem mais tranquilos.”
Após o parto, a pedagoga deixou o emprego para cuidar do filho. Ela vive com o marido, que é pintor, e uma outra filha de 9 anos. Para auxiliar no tratamento de Jessé, a família recebe do governo federal o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – equivalente a um salário mínimo, R$ 937 –, que foi negado duas vezes antes de ser concedido.
O BPC é concedido pelo governo às crianças nascidas a partir de 2015, diagnosticadas com microcefalia. O benefício é uma espécie de aposentadoria, desde que as famílias possuam renda mensal de até R$ 220 (um quarto do salário mínimo) por pessoa.
“Para manter uma boa qualidade de vida do meu filho é muito pouco. A gente gasta muito mais na alimentação, com fraldas e deslocamento para consultas.”
Como consequência da malformação do cérebro durante a gestação, Jessé tem limitações motoras, dificuldades para enxergar e sustentar o pescoço. O filho de Vanessa faz acompanhamento, ao menos uma vez na semana, com estimulação precoce na rede Sarah e nos hospitais de Apoio e Materno Infantil de Brasília.
Isabela, 1 ano e 8 meses
O diagnóstico da microcefalia de Isabela Oliveira só veio seis meses após o parto. Durante a gravidez, em 2015, a mãe Karoline Araújo, de 21 anos, teve os sintomas da infecção pelo vírus da zika.
Ao G1 ela contou que se consultou com a médica responsável pelo acompanhamento pré-natal e, ao falar dos sintomas – inclusive caroços pelo corpo – foi receitada a passar uma pomada antialérgica.
“Fiz todas as ecografias e nenhuma constatou a microcefalia. Quando ela nasceu, ninguém também falou nada, apenas de um problema no ouvido, mas não se sabia a causa.”
Aos seis meses os pais identificaram que Isabela não levantava o pescoço e, por esse motivo, começaram o acompanhamento médico. Após consultas, constatou-se que a bebê nasceu com o perímetro cefálico meio milímetro menor que o parâmetro da Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 31,5 cm.
Isabela tinha microcefalia e polimicrogiria, uma malformação da parte frontal do cérebro. Apesar de ter tido os sintomas da infecção pelo vírus zika e de a filha ter nascido com a malformação, a associação entre os casos ainda não teve a confirmação médica.
“Achei absurdo que mesmo com o surto de zika a médica não pediu exames.”
Atualmente, com 1 ano e 8 meses, Isabela não escuta do ouvido direito, ainda não fala e também tem dificuldades motoras. “A neurologista diz que é cedo para dizer sobre problemas intelectuais”, explica a mãe.
A menina faz acompanhamento no Hospital da Criança e na rede Sarah, além de hidroterapia e outras estimulações sensoriais duas vezes por semana no Centro de Ensino Especial, em Ceilândia.
“Eu vivo um dia de cada vez. Não crio muitas expectativas, mas também não perco a esperança. Creio que ela vai poder ir à escola regular, crescer e se formar. É o que quero pra ela.”
Rafael, 1 ano e 8 meses
O diagnóstico da microcefalia de Rafael veio ainda na gestação. Somente um ano após o nascimento foi confirmada a infecção pelo vírus da zika. O bebê teve o sistema nervoso comprometido e, atualmente, com 1 ano e 8 meses, não enxerga, se alimenta por uma sonda e tem limitação motora.
O pai de Rafael, Alex Arja, é servidor público da Secretaria de Saúde e tenta na Justiça o direito à redução da jornada de trabalho semanal para ajudar nos cuidados com o filho. Ele trabalha 32 horas por semana e teve o pedido de redução em 50% da jornada negado duas vezes pela Justiça, inclusive pelo órgão do GDF ao qual é vinculado.
O G1 questionou à Secretaria de Saúde sobre o direito do servidor. A pasta justifica que o percentual de 20%, que já lhe é concedido, é o “máximo previsto pelo art. 61 da Lei Complementar 840/2011”. A secretaria diz ainda que “desconhece situações semelhantes”, com redução da metade da jornada.
A família também tenta o direito de Rafael ao Benefício de Prestação Continuada, concedido a pessoas que tenham alguma deficiência, como o bebê Jessé. Mas, segundo Arja, o pedido foi negado, dessa vez, pelo governo federal.
“O governo errou em estipular uma faixa salarial que seria para beneficar um cidadão que tem uma deficiência para o resto da vida. Tenho a minha renda e ainda sim o meu dinheiro não dá.”
O pai de Rafael disse ao G1 que passados dois anos da epidemia do vírus da zika no país, sente que a rede de atendimento “agora está pior”.
“No início tinham mais ações e informação, hoje em dia ninguém fala mais nada. Agora, cada um que se vire. Apesar de todos os investimentos do governo federal eu não vejo as ações chegarem na ponta.”
Rede de atendimento
Pela complexidade do atendimento aos bebês, o Ministério da Saúde formulou no ano passado uma série de políticas que previam que toda criança com síndrome congênita provocada pelo zika deveria ter o diagnóstico garantido. O atendimento adequado também estava previsto na rede de atenção básica e nos ambulatórios de especialidades, além da garantia de vagas em serviços de reabilitação.
No DF, o atendimento às crianças que nasceram com alguma síndrome congênita a partir de 2015 é oferecido pela rede pública de saúde. De acordo com a Secretaria de Saúde, são ofertados acompanhamentos especializado e ambulatorial em quatro unidades: Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), Hospital da Criança de Brasília (HCB), Hospital de Base e Hospital Regional da Asa Norte (Hran).
Estudos da zika
Desde quando autoridades de saúde do Brasil identificaram o aumento de casos de microcefalia no país, em 2015, já se considerava a possibilidade da patologia ser causada pelo vírus da zika. A confirmação científica, no entanto, só veio em abril de 2016, em estudo produzido por uma instituição norte-americana.
Os autores levaram em conta que o vírus era capaz de ultrapassar a barreira da placenta e que já tinha sido detectado em tecidos cerebrais de bebês nascidos com microcefalia.
A chefe do laboratório de imunologia e inflamação da Universidade Brasília (UnB), Kelly Magalhães, pesquisa a resposta inflamatória causada pela infecção do vírus da zika no organismo. A pesquisadora explica que a microcefalia é causada pelo vírus porque ele tem uma “maior atração por células nervosas”.
“Quando a mulher está infectada, o vírus atravessa a placenta e se aloja nas células-tronco do sistema nervoso do bebê. A partir do momento em que ele alcança o cérebro, pode infectar outros tecidos também.”
Marília Marques