(R7, 28/03/2016) Calcificação no cérebro e acúmulo de líquor no crânio têm atingido cada vez mais bebês
“Normal, a gente cuida, vai fazer o quê?”. Com um suspiro impotente, Jaqueline Oliveira, de 24 anos, contou ao R7 como era lidar com o fato de sua filha Laura, de pouco mais de três meses, ter nascido com microcefalia. A paulista, da cidade litorânea de Santos, é apenas um dos retratos que representa a situação de centenas de mães no Brasil — e, por que não, de tantas outras milhares que esperam um diagnóstico preciso sobre o que afeta o desenvolvimento de seus filhos.
De acordo com o último boletim do Ministério da Saúde, o Brasil registrou 907 casos confirmados de microcefalia até 19 de março e investiga outros 4.293 casos suspeitos. O aumento dos casos da doença foi tão intenso desde maio de 2015 — mês em que foi descoberto o primeiro caso de zika no Brasil — que a anomalia passou a ser considerada um surto. Segundo as especialistas Marilisia Mantovani e Mardjane Lemos, antes da epidemia de zika, a microcefalia era uma doença relativamente rara. Hoje, a cada semana o número de casos confirmados aumenta.
Marilisia, neurologista da Academia Brasileira de Neurologia, afirmou que apesar de a OMS (Organização Mundial de Saúde) não ter confirmado a relação da doença com o novo vírus, ela é inegável:
— Os casos de microcefalia cresceram absurdamente de maio para cá, e estão sendo detectados, em sua maioria, em bebês cujas mães foram infectadas por zika.
“O zika é sedento pelo sistema nervoso”. Foi com essa afirmação que a infectologista Mardjane Lemos, coordenadora do ambulatório do Hospital Hélvio Alto de Maceió — referência em casos de microcefalia relacionada ao vírus — começou a contar como os quadros da doença passaram a se agravar depois da epidemia.
Apesar dos 2.416 km que separam Campinas (no interior de SP) — onde atua Marilisia — e Maceió, cidade de Mardjane, as experiências vividas por ambas as especialistas mostraram um ponto convergente e importantíssimo: quando as mães pegam zika vírus no primeiro trimestre de gravidez, as chances de o bebê nascer com quadros severos de microcefalia são muito maiores. Isso acontece porque o feto ainda está em formação, fazendo com que o vírus tenha um efeito muito mais potente sobre seu desenvolvimento.
Segundo Marilisia, os quadros mais agressivos da doença podem apresentar uma grande calcificação cerebral, além de aumento de líquor no crânio. A especialista explicou que, em crianças normais, esse líquido é constantemente liberado e reabsorvido pelo cérebro, porém, com a infecção pelo vírus, esse processo acaba sendo interrompido — e o líquor vai se acumulando.
— É devido a isso que muitas crianças nascem com o tamanho da cabeça dentro do padrão, mas com o crânio tomado por líquor, e com a maior parte do cérebro calcificada. Essa anomalia provavelmente também é causada pelo zika e pode levar o bebê à morte. Não consideramos a hidranocefalia um tipo de microcefalia, porque o tamanho da cabeça não é reduzido; mas ela é, sim, um dos efeitos provocados pela infecção do sistema neurológico.
O aumento dos casos de alta gravidade também chamou a atenção para condições em que os sintomas são mais brandos — que ocorrem normalmente quando a mãe é infectada pelo zika já nos últimos meses de gravidez. Nesses casos, o bebê não apresenta redução do perímetro encefálico nem hidranocefalia, mas ainda assim tem um retardo no desenvolvimento — que se manifesta por cegueira, problemas de audição, dificuldades para se locomover e epilepsia.
Terapias e formas de reduzir os sintomas da doença
Por mais avançada que esteja a medicina, não há cura para a microcefalia. Segundo Marilisia, o que se pode fazer são terapias que auxiliem no desenvolvimento da criança. No entanto, de acordo com ela, o serviço que o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece aos pacientes atualmente é pífio.
— Crianças ficam anos na fila, aguardando esses tipos de terapia. Quando finalmente conseguem, é oferecido um serviço precário e insuficiente. Se já era assim antes do zika — quando a quantidade de casos era pequena — imagine como não está agora.
Mardjane concorda com o posicionamento de Marilisia, e acrescenta que deve haver um preparo dos médicos antes de dizer aos pais que eles terão um bebê com má-formação cerebral.
— Se a microcefalia for diagnosticada durante a gravidez, por exames de ultrassom, os médicos devem preparar os pais. No entanto, isso normalmente não ocorre porque como a variação no tamanho da cabeça não é tão aparente dentro do útero, esses médicos têm medo de dar um diagnóstico precoce e cometerem um erro.
Casos detectados no Brasil
Apesar de 745 casos terem sido confirmados pelo Ministério da Saúde, as especialistas acreditam que o número divulgado é muito menor do que a real quantidade de casos no Brasil. Segundo Marilisia, a microcefalia não precisava de notificação compulsória antes da epidemia de zika e, por isso, há grandes chances de o número extrapolar o divulgado pela Pasta:
— A microcefalia nunca exigiu notificação compulsória, porque era [uma doença] rara e não contagiosa. Deste modo, os médicos não precisavam reportar os casos às autoridades governamentais, implicando a inexistência de um registro nacional para a doença.
A neurologista afirmou que a maioria dos casos começaram a ser notificados em dezembro de 2015, devido à atenção que a mídia passou a dar para a epidemia de zika e a relação com a doença.
— Os registros estão começando a ser feitos agora, por isso, provavelmente há muito mais casos de microcefalia do que o que está sendo divulgado. Em 33 anos de profissão, já acompanhei milhares de pacientes, e nenhum deles nunca foi notificado.
A insatisfação das especialistas quanto às medidas tomadas pela saúde pública é grande. Quando questionadas sobre a possibilidade de o País lidar com essa nova crise — que está longe de acabar — ambas concordaram espontaneamente:
— O Brasil não está preparado.
Outro lado
Procurada pelo R7, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde disse que a recomendação dada às secretarias de saúde é a de que sejam registrados e repassados todos os casos de microcefalia.
Em relação aos serviços de terapia para estímulo ao desenvolvimento de crianças com má-formação, a Pasta comunicou que há hoje, em todo o Brasil, 1.544 serviços de reabilitação, que fazem a estimulação precoce de crianças entre zero e três anos.
Além disso, foi afirmado que 11 centros estão em fase de obras e deverão ser concluídos até o fim deste semestre. Segundo o Ministério da Saúde, para custeio desses serviços, são investidos anualmente R$ 650 milhões.
Colaborou: Talyta Vespa, estagiária do R7
Acesse no site de origem: Especialistas explicam aumento de casos severos de microcefalia: ‘Zika é sedento pelo sistema nervoso’ (R7, 28/03/2016)