Única maternidade habilitada deixou de realizar o procedimento neste ano, após norma do CFM contra assistolia fetal
Luísa (nome fictício), 11, sofreu o primeiro abuso sexual aos sete anos. Sob ameaças de morte, as violências aconteciam na casa da sua avó, onde morava. Luísa engravidou do tio aos 10 anos. Com a mesma idade, parou de brincar de boneca.
Ela estava na escola quando a reportagem bateu na porta da casa de seus pais, na comunidade indígena Sabiá, município de Pacaraima, a cerca de 216 km da capital Boa Vista (RR). Chegou com a irmã mais nova e estendeu a mão às visitas pedindo bênção, reproduzindo o costume católico de demonstração de respeito aos mais velhos.
Sua gravidez foi descoberta pela mãe no 4º mês de gestação —entre a 13ª e a 16ª semana—, e a família, da etnia macuxi, decidiu que o aborto legal seria a melhor opção. O casal tem quatro filhos com idades de 5 a 13 anos.
Eles chegaram a perguntar à menina se ela queria ter o bebê, mas a resposta foi negativa, indo também de acordo com a escolha de seus pais. “A vida estaria pior, sinceramente”, diz o pai da criança. “Ia prejudicar minha família, minha esposa sofrendo com os filhos, e também tínhamos medo de o Conselho Tutelar tirar ela da gente”. O agressor, denunciado, fugiu.
A 65 km dali, na comunidade Três Corações, no município de Amajari, vive Amanda (nome fictício), 14, e sua família, também indígenas macuxis. Ela segura no colo, com alguma dificuldade, um bebê de seis meses, fruto de um estupro cometido pelo primo, de 29 anos.
A mãe até hoje não sabe com detalhes o que aconteceu com Amanda. “Ela não fala”, diz. Mas conta o que sabe: Amanda não costumava sair muito de casa quando o primo foi passar um tempo na comunidade.
“Ela estava passando mal, engordou, e por isso levei no postinho de saúde. Estava com sete, seis meses, por aí”, afirma a mãe. Diz que talvez tivessem tomado outra decisão, caso a gravidez não estivesse tão avançada.
Casos como o de Amanda são mais comuns do que os de Luísa. Ambas moram no estado com a maior taxa de fecundidade no Brasil para meninas de 10 a 14 anos, conforme levantamento feito pela Folha com base no Censo e no Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos do Ministério da Saúde), com números de 2022, os últimos consolidados. Os dados do Sinasc podem, ainda, conter algum percentual de subnotificações.