Trata-se de um estudo controlado, o primeiro do tipo feito desde o começo do surto
(Folha de S. Paulo, 15/09/2016 – Acesse no site de origem)
Alguns ainda duvidam que o atual surto de microcefalia seja causado pelo vírus da zika. Um estudo publicado na noite desta quinta (15) pela revista científica “The Lancet” talvez sossegue um pouco esses corações aflitos.
Trata-se de um estudo controlado, o primeiro do tipo feito desde o começo do surto. Para cada caso de microcefalia, os cientistas recrutaram dois controles (o plano é ter um grupo de casos com 200 bebês e de controles com 400; por ora são apresentados os resultados com 32 casos e 62 controles). Conduziram o estudo diversos pesquisadores, inclusive filiados ao Ministério da Saúde e à Organização Pan-Americana da Saúde (da OMS).
Os bebês nasceram na região metropolitana de Recife e os todos têm as mesmas características sociodemográficas. Em outras palavras, os cientistas não estão analisando outras variáveis a não ser a presença ou ausência do vírus e seu efeito.
A grande vantagem é que o estudo é prospectivo, ou seja, caminha para frente, analisando os novos casos a partir de uma certa data (janeiro, no caso) em diante. Isso faz com que os vieses de se estudar o passado (como amostras ou observações viciadas) sejam reduzidos.
O resultado: se um bebê nasceu com microcefalia a chance dele ter tido zika é 55,5 vezes maior do que a de um bebê sem microcefalia (mas também há a chance de haver prejuízo neurológico que não resulta em microcefalia, vale lembrar).
Os pesquisadores até propõem que o grupo conhecido como TORCH, conjunto infecções que podem causar más-formações —toxplasmose, outras (sífilis, varicela-zoster, parvovírus B19),rubéola, citomegalovírus (CMV) e herpes– seja rebatizado e ganhe um Z, tornando-se TORCHZ. A ideia não é ruim se considerarmos a indiscutível relevância global atual da zika.
Para a médica especialista em saúde coletiva da UFPE Thália Barreto de Araújo, uma das autoras do estudo, ainda faltava um estudo que não fosse apenas relatos ou de descrições de casos, para medir a força dessa associação. Ela afirma que o fato de os exames de sangue terem sido feitos logo após o nascimento excluem a possibilidade de infecção posterior, o que aumenta a confiabilidade dos achados.
Com relação a outras possíveis variáveis (ou cofatores) que expliquem a “clusterização” (ou zonas) de microcefalia, como a falta de cobertura vacinal para febre amarela ou a alta prevalência de anticorpos para a dengue nessas pessoas, a médica diz que “certamente tem a ver com condições de vida”, mas que esse não foi o escopo do estudo.
“Geralmente os casos de microcefalia aparecem em hospitais públicos, onde vão pessoas com baixo poder aquisitivo. É algo que a gente ainda vai entender…”, diz Thália.
“Se você pensar que o vírus zika é transmitido pelo vetor aedes, que se reproduz em água limpa, e que há uma grande população continuamente excluída do abastecimento de água (onde a água só chega a cada dois ou três dias), o fato de as pessoas construírem reservatórios para essa água faz com que elas estejam muito mais expostas a criadouros.”