(O Globo, 28/02/2016) Micro-organismo parece atacar neurônios com mais intensidade que células de outros órgãos
O bebê viveu apenas cerca de cinco minutos após nascer de uma gestação de sete meses. A mãe entrou em trabalho de parto e este foi, então, induzido. A criança sofria de microcefalia e ventriculomegalia severas. Seu cérebro havia sido praticamente destruído. As malformações nos membros eram tão sérias, que lhe faltavam os ossos longos de braços e pernas. Não tinha esôfago. Sua traqueia era quase inexistente.
A tragédia dessa mãe e de seu bebê aconteceu em novembro de 2015, em Fortaleza, no Ceará. Uma tragédia que se tornaria a de todo o Brasil, o chamado caso-índice, que deflagrou a emergência para a microcefalia e distúrbios do sistema nervoso central associados ao zika.
A mãe foi infectada no segundo mês de gestação, e a criança nasceu com o zika. O vírus foi isolado ativo de tecidos de seu cérebro pela equipe de Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, no Pará. A descrição científica do caso será publicada em breve numa revista acadêmica internacional.
— Estamos certos de que praticamente respondemos à dúvida sobre se é o zika que causa toda a destruição do sistema nervoso. Eu não tenho dúvidas de que ele causa essas lesões — afirma o cientista.
O que move cientistas como Pedro Vasconcelos é o assombro com os danos no sistema nervoso central associados à infecção pelo zika:
— O que temos visto em amostras do cérebro de fetos é uma maciça destruição de neurônios.
O zika parece ter o que a ciência chama de tropismo por neurônios. Ou seja, ele afeta preferencialmente essas células nobres do sistema nervoso:
— Já encontramos o zika no baço, nos rins, nos pulmões, no coração e no fígado dos mortos. Ele parece ter a capacidade de invadir diferentes tipos de células, de diferentes órgãos. Porém, as lesões no sistema nervoso central são muito mais graves, com diminuição e destruição do cérebro.
Vasconcelos e sua equipe analisaram tanto amostras de tecidos de fetos quanto das pessoas que morreram de complicações neurológicas associadas ao zika.
— Pessoalmente, nunca vi um vírus causar destruição tão intensa, lesões tão graves no sistema nervoso central. Talvez a encefalite japonesa, o Rocio e o vírus da febre do Oeste do Nilo, todos flavivírus como o zika, provoquem danos assim. Mas eu nunca vi — diz o virologista, um dos mais experientes especialistas em arbovírus (classificação que inclui flavivírus) do mundo.
AINDA HÁ MUITAS DÚVIDAS
Para ele, o zika é o grande culpado de casos de severas malformações:
— O zika é o responsável pela maioria dos casos de microcefalia e outros distúrbios do sistema nervoso central. A microcefalia é mais visível, mas existem lesões ainda mais devastadoras.
Vasconcelos se preocupa com a gravidade e as dúvidas sobre o vírus. Os mecanismos que ele usa para invadir o corpo humano são misteriosos:
— Esse vírus atravessa a placenta, que é uma barreira espetacular. Atravessa também a barreira que protege o cérebro. Como ele atua em diferentes células? Por que é tão agressivo nos neurônios? Como ele os mata? A gente responde a uma pergunta e surgem outras duas ou três.
Ana Lúcia Azevedo
Acesse o PDF: ‘Eu nunca vi um vírus causar uma destruição tão intensa’, comenta cientista (O Globo, 28/02/2016)