Fórum sobre Violência contra Mulher discute problemas no parto

01 de dezembro, 2014

(Unicamp, 01/12/2014) A redução no número de cesáreas, a humanização no atendimento e a busca de um consenso entre profissionais de saúde para reduzir as intervenções desnecessárias no parto foram alguns dos temas abordados na última sexta-feira (28), no encerramento do II Fórum sobre Violência contra a Mulher: Múltiplos Atores. O evento realizado no Centro de Convenções da Unicamp reuniu profissionais como médicos, enfermeiros, antropólogos e advogados para discutir os diversos aspectos da violência de gênero, após um primeiro dia focado na desconstrução dos modelos de masculinidade como forma de enfrentamento ao problema.

O Brasil é um dos países com mais alto índice de cesarianas. Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz em 2011 e 2012, em média, 52% dos nascimentos ocorrem por cesariana; no setor privado, esse índice sobe para 88%. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que 15% dos partos sejam realizados por meio desse procedimento cirúrgico. A enfermeira obstétrica Amanda Fedevjcyk de Vico, assessora técnica da Coordenadoria Geral de Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde, aponta que, além da banalização da cesariana, o parto é feito muitas vezes com intervenções desnecessárias que comprometem a fisiologia da mãe, desrespeitando evidências científicas e os direitos da mulher e da criança.

Criada em 2011 pelo Ministério da Saúde, a Rede Cegonha busca implantar no país um novo modelo de atenção à saúde da mulher e da criança por meio da assistência ao parto. Essa rede de cuidados visa assegurar à mulher o direito de planejamento reprodutivo e de atenção humanizada na gravidez, considerando dimensões afetivas, sexuais, familiares e culturais. “A Rede Cegonha quer a implantação de um novo modelo de atenção obstétrica e neonatal, pois não temos oferecido um bom parto, temos oferecido um mau parto”, justificou Amanda de Vico.

Para a assessora técnica do Ministério da Saúde, a assistência ao parto tem se caracterizado em grande parte pela prevalência do poder do profissional de saúde sobre a parturiente, marcada por uma dominação simbólica que recai na desumanização e em atos de violência. “Eu já ouvi médicos dizendo que já não conseguem mais mandar nas mulheres”, lamentou Amanda.

Valéria Sousa, advogada na Associação Artemis, define a violência obstétrica como uma conduta do profissional de saúde, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Esse tipo de violência institucional consiste, geralmente, na perda de autonomia da mulher.

A médica Eliana Amaral, professora de Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, traçou um breve histórico sobre o parto e destacou que os avanços da medicina trouxeram grandes contribuições para a redução da mortalidade no parto, principalmente a partir da década de 1930. Em 1990, a mortalidade materna no Brasil era de 143 mortes a cada 100 mil nascidos vivos, lembra a médica, sendo que atualmente esse número caiu para 68 mortes.

“Sobre a assistência ao nascimento, não dá para ficarmos na base de separarmos mocinho e bandido. A união e o diálogo é que precisam melhorar. Nosso papel é procurar esse lugar de consenso”, defendeu a professora da FCM, apontando que o atual momento do debate é de “ajuste fino”. Para ela, é necessário se alcançar um equilíbrio entre o “parto como evento familiar e social” e o “parto com foco no risco”.

Os avanços virão com a superação de três desafios básicos, segundo Eliana Amaral: ter médicos e enfermeiras obstétricas bem treinados, compartilhando e complementando o cuidado e respeitando suas especificidades profissionais; redefinir critérios para “baixo risco” no contínuo do cuidado, como gestação, trabalho de parto e parto; e reavaliar continuamente o risco, sem ultrapassar limites de segurança materna e fetal.

Papel da antropologia

As pesquisas antropológicas sobre o parto começaram a ganhar destaque no Brasil como linha científica a partir dos anos 2000, concomitantemente com o crescimento do movimento pela humanização do parto. Rosamaria Giatti Carneiro, professora de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília, abordou a história dessas pesquisas e mostrou como está “cada vez mais difícil separar ciência, política, experiências pessoais e ativismo”. Segundo ela, muitas antropólogas estão aproveitando suas experiências como parturiente para iniciar novas pesquisas científicas, o que tem contribuído para enriquecer o debate, destacou Rosamaria.

“Etnografar e ir a campo tem sido uma das grandes contribuições da antropologia nessa área”, afirmou a professora da UnB. De acordo com ela, o aprimoramento das políticas públicas depende de uma visão mais ampla sobre a enorme gama de padrões da mulher brasileira, que considere origem étnica, classe social, região geográfica, entre outras. Para ela, definir políticas com base em apenas um padrão de mulher brasileira impede avanços nesse setor. “A antropologia tem um papel de ‘traduzir’ o que há de singular e de situado e o que significa essa experiência para essas pessoas.”

Feminicídio

A mesa de encerramento do fórum abordou a questão das “Estratégias de Resistência”. Entre os palestrantes estava o promotor de Justiça Márcio Friggi, que falou sobre aspectos legais da violência de gênero e o feminicídio. No início do século XIX, quando as Ordenações Filipinas ainda eram a base da legislação brasileira, a lei permitia que o homem tirasse a vida da mulher se ela praticasse adultério. Para esses crimes, até recentemente, era comum a tese da “legítima defesa da honra”, explicou o promotor. Para amenizar a pena dos autores, outra justificativa empregada era que o criminoso agiu sob o “domínio de um estado emocional”.

“Na América Latina, os casos de homicídio contra a mulher por razão de gênero têm uma taxa de impunidade de 92%”, disse Friggi, defendendo uma mudança na legislação. Para ele, é necessária a inclusão no Código Penal de um novo tipo de homicídio qualificado, o feminicídio, ou seja, o homicídio praticado contra a mulher por razões de gênero, caracterizado como crime hediondo – com pena de prisão entre 12 e 30 anos. Segundo o promotor, além do tratamento mais rigoroso ao autor, a caracterização específica desse tipo de crime faria com que ele tivesse mais projeção e ganhasse mais espaço nas discussões.

O II Fórum sobre Violência contra a Mulher: Múltiplos Atores foi uma realização do Fórum Pensamento Estratégico (PENSES), um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos os seus aspectos.

Guilherme Gorgulho e Gabrielle Albiero

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