(O Estado de S. Paulo, 30/05/2014) Passados oito dias da inclusão do aborto legal na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), o governo Dilma Rousseff revogou nesta quinta-feira, 29, a medida. O recuo do ministro da Saúde, Arthur Chioro, acontece logo após o início de uma campanha contrária à portaria, promovida por segmentos conservadores e deputados da base evangélica, que pressionam o governo federal sobre um tema espinhoso para ano eleitoral.
No caso do aborto legal, médicos podem realizar a cirurgia em mulheres vítimas de estupro, em casos em que há risco de morte da mãe e quando o feto é anencéfalo.
Antes da Portaria 415, o pagamento do aborto legal era incluído no cálculo de repasses feitos para hospitais habilitados. Com a mudança, os estabelecimentos receberiam por procedimento – algo que na avaliação da pasta garantiria o pagamento dos demais profissionais de saúde envolvidos, como psicólogos e assistentes sociais.
A revogação da portaria foi assinada pelo secretário de Atenção à Saúde, Fausto Pereira dos Santos, sem a apresentação de justificativa.
O Ministério da Saúde, porém, informou que a medida foi revogada por “questões técnicas”. Segundo a pasta, a portaria não foi discutida com as comissões tripartites, formadas por secretarias de Saúde de Estados e municípios. Além disso, o valor definido inicialmente de pagamento aos hospitais pelo procedimento, de R$ 443,40, será alterado. Não há data para a publicação da nova portaria.
Explicações.
As questões técnicas apresentadas agora pelo ministério não eram citadas um dia depois da edição da portaria. Ao Estado, Chioro havia se mostrado satisfeito com a alteração na lógica de pagamento do aborto legal. Na ocasião, ele disse que a mudança garantiria um financiamento adequado para o procedimento e não alteraria o que já é repassado para os hospitais credenciados.
Com a revogação, o pagamento do aborto legal voltará a ser incluído no cálculo de repasses feitos para os hospitais habilitados, dentro do sistema de contratualização, no qual a unidade de saúde recebe um valor fixo por mês pelos procedimentos realizados. Na defesa que fez da mudança, Chioro disse que ela poderia dar maior controle estatístico dos abortos.
Resistência.
A medida, porém, foi criticada por religiosos. O Partido Social Cristão (PSC) anunciou que ingressaria na Justiça contra a portaria, por considerá-la uma “brecha para oficialização da interrupção da vida”.
O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de base eleitoral evangélica e líder do partido na Câmara, informou em seu site que procurou o ministro para pedir a revogação. “O ministro me procurou na quarta para comunicar que estudou a portaria editada por uma secretaria do ministério e entendeu que havia falhas. Logo, resolveu revogá-la para melhor estudá-la.”
Gestantes são convencidas a fazer cesárea, diz estudo
• As grávidas brasileiras são convencidas a terem filhos por cesárea. É o que mostra o estudo Nascer no Brasil, divulgado ontem pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Das 23.894 mulheres ouvidas em 2011, 72% queriam parto normal logo que engravidaram. Os bebês nasceram por cesárea em 52% dos casos. Nos hospitais particulares, esse índice é de 88%. “Tem uma cultura de que a cesárea é o melhor método para se ter filho. Talvez elas não sejam informadas dos riscos”, disse a coordenadora da pesquisa, Maria do Carmo Leal.
O presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado, Marcelo Burla, vai pedir detalhes do estudo. “O que nos preocupa na pesquisa é imputar ao médico que esteja forçando a cesárea.”
Clarissa Thomé
Acesse o PDF: Governo recua em pagamento de aborto
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