Dia 28 de setembro é o Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe. Esse dia foi escolhido por um grupo de mulheres nos anos de 1990, a partir do 5º Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe, na Argentina, para articular forças na região a fim de enfrentar o problema da ilegalidade do aborto e a divulgação sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher. É dia, portanto, de reflexão e de mobilização.
O Sistema Internacional de Direitos Humanos Sexuais e Reprodutivos consagra o princípio de que os Estados devem assumir o aborto como uma questão de saúde pública, promovendo a exclusão de todas e quaisquer medidas punitivas imposta às mulheres que realizam a interrupção voluntária da gravidez.
A Pesquisa Nacional do Aborto 2016 demonstra que, em 2015, mais de meio milhão de mulheres realizaram um aborto. Os dados apontam que, a cada minuto, uma mulher brasileira decide interromper sua gestação.
Todavia, a interrupção da gravidez ainda é crime no Brasil. Tal conduta está tipificada nos arts. 124 a 127, do Código Penal, sendo certo que o art. 128 traz as hipóteses de excludente de tipicidade quando praticado nas seguintes situações: quando há risco de morte para a mulher causado pela gravidez, quando a gravidez é resultante de um estupro e se o feto for anencefálico (desde decisão do STF pela ADPF 54, votada em 2012, que descreve a prática como “parto antecipado” para fim terapêutico).
O estigma que acompanha a criminalização do aborto no Brasil impõe graves restrições aos direitos das mulheres e alcança também as situações em que o aborto é legal no país. Na última década, houve uma drástica redução dos serviços de aborto legal no Brasil, isto é, dos pontos de referência humanizados para o atendimento da mulher vítima de estupro, em risco de vida ou grávida de feto anencefálico.
Assim, o Brasil ainda faz parte dos 68 países que proíbem totalmente o aborto ou permitem apenas nos casos para salvar a vida da mulher e que estão localizados, em regra, no sul global, com exceção de alguns países do norte asiático.
O Chile recentemente abandonou a lista dos países que punem o aborto em todas as circunstâncias. A decisão do Tribunal Constitucional (TC) aconteceu no dia 21 de agosto quando ocorreu a aprovação do projeto de lei que permite abortar em caso de inviabilidade fetal, risco de morte da mulher e quando a gravidez é resultado de um estupro.
Em contrapartida, um estudo inédito da Organização Mundial da Saúde (OMS), concluiu que países com leis que proíbem o aborto não conseguiram frear a prática e que, hoje, contam com taxas acima daqueles locais onde o aborto é legalizado. Já nos países onde a prática é autorizada, ela foi acompanhada por uma ampla estratégia de planejamento familiar e acesso à saúde que levaram a uma queda substancial no número de abortos realizados.
O estudo foi realizado pelo Instituto Guttmacher e pela Organização Mundial da Saúde, apontando que a América do Sul registrou uma alta significativa no número de abortos realizados entre 1990 e 2014.
É a partir desse contexto que o NUDEM se manifestou como amicus curiae na ADPF 442. Se esta ação for julgada procedente, o aborto até as 12 primeiras semanas de gravidez deixará de ser crime no Brasil, independentemente do motivo que leve a mulher a realizar procedimento.
O primeiro argumento trazido no amicus desenvolve a ideia de que realizar o aborto, interromper uma gravidez, é um direito constitucional, decorrente do direito à autonomia, de decidir livremente sobre os rumos de sua própria vida, Como tal, há o dever correspondente do poder público em oferecer as condições adequadas a sua realização, no âmbito da integralidade do direito à saúde, também constitucional.
O segundo argumento caminha no sentido que o Supremo Tribunal Federal é a única instância capaz de garantir os direitos das mulheres, minorias políticas que têm sido alvo constante de diminuição de direitos por meio legislativo. Desse modo, uma decisão do Supremo Tribunal Federal é a única forma de garantir os direitos constitucionais das mulheres, encerrando um processo de décadas de subordinação.
Nesse ensejo, a luta pela descriminalização do aborto se faz fundamental para que a mulher tenha o direito de decidir quando e quantos filhos quer ter e, para isso, possa contar com os profissionais da área da saúde para auxiliá-la tanto na veiculação de informações a respeito do funcionamento do seu próprio corpo, como na execução de um aborto seguro para garantir que sua integridade física e psicológica sejam preservadas.
E, por esta razão, a ponderação de interesses constitucionais conduz necessariamente à proteção dos direitos – sexuais e reprodutivos – da mulher em face da mera expectativa de direito do nascituro, motivo pelo qual o aborto – se do interesse da gestante – deve ser salvaguardado e não criminalizado.
Paula Sant’Anna Machado de Souza
Defensora Pública Defensora Coordenadora Auxiliar do Nudem