(O Globo, 09/07/2014) Há tempo a sociedade brasileira discute o câncer de mama. No entanto, nas últimas décadas o tema ganhou ainda mais evidência. Por um lado pela ampliação da consciência por parte das mulheres e das autoridades, o que é bom. Mas, por outro, pelos números assustadores de quase 60 mil novos casos a cada ano, com mais de 12 mil mortes, sendo uma das principais causas de óbito da mulher brasileira. Nesse cenário, uma protagonista se encontra no foco da discussão, a mamografia. Mais que um exame, ela se apresenta como procedimento primordial para a detecção do câncer de mama, sendo a forma mais eficaz de diagnóstico precoce. Entretanto, infelizmente, não é bem assim que alguns especialistas veem e o efeito disso, gerando retrocesso, são algumas medidas como a Portaria 1.253/2013.
A iniciativa, de autoria do Ministério da Saúde, restringe o repasse de verbas da União aos municípios para mamografias em pacientes na faixa etária de 50 a 69 anos. Além disso, o foco passa a ser a mamografia unilateral, ou seja, o exame sendo realizado como forma de rastreamento em apenas uma das mamas. Paralelamente a isso, tanto a experiência do consultório quanto os inúmeros estudos e acompanhamentos realizados pelos principais mastologistas do Brasil e do exterior comprovam que a idade ideal para o início do trabalho preventivo, via mamografia, é 40 anos. Vários são os fatores que contribuem para essa conclusão, um deles o próprio estilo de vida estressante atual, alimentação, entre outros, que contribuem para a manifestação da doença cada vez mais cedo.
Em 35 anos de formação, sendo pesquisador, professor e, atualmente, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), posso afirmar que os dois pontos citados na portaria não se enquadram na boa prática médica e são prejudiciais à saúde da mulher. No primeiro caso, a Comissão Nacional de Mamografia, formada pela SBM, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia e Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, é totalmente contra, já que defende o rastreamento mamográfico para todas as mulheres assintomáticas acima de 40 anos. Para aquelas pacientes que apresentarem sintomas mamários, não existe limitação quanto à faixa etária para a avaliação mamográfica, que sempre deve ser bilateral (denominada de mamografia diagnóstica).
Por mais que alguns estudos insistam em dizer o contrário, tais afirmações não são fidedignas, pois não refletem a verdade na prática. A mamografia é, sim, o exame mais preciso para o diagnóstico precoce do câncer de mama, e esse diagnóstico é determinante para o início do tratamento e para a busca pela cura. Toda a comunidade médica está ciente de que através do diagnóstico precoce as chances de cura podem chegar a 95%. Isso é fato!
Um estudo da Universidade Federal de Goiás constatou que 22% dos casos de câncer de mama no Brasil ocorrem com mulheres entre 40 e 49 anos. Vale ressaltar que a realidade de outros países — alguns estudos são citados para embasar argumentos de alguns especialistas — difere do Brasil, como, por exemplo, o sistema de saúde pública que aqui, em terra de dimensão continental, acaba sendo prejudicado.
Mesmo que o Brasil ainda não tenha conseguido diminuir a taxa de mortalidade por câncer de mama, é possível verificar uma estabilização e discreta redução nas mortes no Sudeste e no Sul do Brasil, onde há rastreamento mamográfico mais adequado. Infelizmente, no Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte, o índice ainda é alto por uma série de fatores, como acessibilidade à mamografia, ao diagnóstico, ao tratamento etc. Além disso, no país como um todo há ainda muita falta de informação e é dever de todos os agentes de saúde promovê-la de forma responsável e adequada à realidade brasileira.
Por fim, é recomendável aos médicos que continuem solicitando a mamografia de rastreamento para pacientes acima de 40 anos e não aceitem a chamada mamografia unilateral. Como especialistas, temos a responsabilidade de educar e informar a sociedade sobre os procedimentos mais corretos e seguros em prol da saúde preventiva. E a mamografia é um instrumento de extrema importância, tendo reflexo na redução de cirurgias mutiladoras (mastectomias), diminuição de sofrimento e melhor qualidade de vida da paciente após o câncer. Vamos continuar na defesa de todas as formas de prevenção ao câncer de mama, destacando a mamografia a partir dos 40.
Ruffo Freitas Júnior é presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia
Acesse o PDF: Mamografia deve começar aos 40