Médica que ligou zika à microcefalia diz que levou 2 meses para ser ouvida

12 de fevereiro, 2016

(UOL Notícias, 12/02/2016) Adriana Melo é médica de gestações de alto risco na maternidade pública de Campina Grande, que atende todos os municípios do sertão da Paraíba. Não é pouca coisa, mas ela se destacou por outro motivo: ela foi a primeira a apresentar provas da relação entre o vírus da zika e os crescentes casos de microcefalia na região, em novembro de 2015.

Adriana levou um dia para achar uma solução para o enigma que intrigava as autoridades de saúde do Nordeste desde agosto, mas demorou quase dois meses para que conseguisse colocar em prática sua ideia. Neste período, conta, conviveu com reprovações de companheiros de jaleco, foi tachada de arrogante e alarmista.

Ainda faltam mais pesquisas para comprovar qual a relação entre o vírus e a má-formação, mas, ao anunciar estado de emergência mundial em fevereiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) usou a “descoberta” de Adriana. O alerta foi dado meses depois da primeira sexta-feira de outubro de 2015 – e é aí que nossa história começa.

Naquele dia, ela atendeu na maternidade pública uma gestante que carregava um bebê com uma combinação inédita no cérebro: a microcefalia e o cerebelo atrofiado sugeriam doença genética, mas ambos apareciam juntos a calcificações na caixa craniana que indicavam infecção. Para embaralhar mais ainda, havia excesso de líquido cefalorraquidiano (líquido do cérebro), o que deveria fazer a cabeça da criança aumentar de tamanho, e não diminuir.

Em sua clínica particular, também havia atendido, na mesma época, uma segunda mulher cujo bebê tinha má-formação parecida. E na mesma sexta-feira, tinha recebido por WhatsApp uma nota técnica da Secretaria de Estado de Pernambuco, alertando para o aumento nos casos de microcefalia em mulheres que tiveram manchas vermelhas (sintoma de zika) nos primeiros meses de gravidez.

Intrigada, ela ligou para a primeira paciente e confirmou que a grávida teve as manchas vermelhas na oitava semana de gestação e a suspeita era de zika.

Adriana então passou a madrugada pesquisando em site de artigos médicos, mas encontrou só dez estudos sobre o vírus. O sono perdido foi suficiente para descobrir que o zika estava vinculado à síndrome de Guillain-Barré.

A coisa foi se encaixando, e ela buscou a Secretaria Estadual de Saúde. A Vigilância Epidemiológica retornou sua ligação e, segundo ela, nem deixou que se explicasse. Ela disse que ouviu um sermão e um retumbante não.

A diretora-executiva da Vigilância de Saúde da Paraíba Renata Nóbrega disse ao UOL que o Estado deu a Adriana “todo o apoio que solicitou”, que os casos informados foram para testes dentro das condições de volume que o Estado consegue atender, um procedimento padrão. O Ministério da Saúde afirma que mesmo para testes de suspeitas, o protocolo oficial é passar por editais de institutos de pesquisas – e isso pode levar meses.

Obsessão com a zika e microcefalia

O assunto virou uma obsessão para Adriana, e até sua família pediu que mudasse de assunto. Mas ela mudou os destinatários do seu discurso. Fez uma reunião com outros profissionais de saúde que atendem grávidas em Campina Grande e comunicou a suspeita a um amigo médico, que indicou uma conhecida na Fiocruz do Rio de Janeiro.

Adriana ligou e pediram para que escrevesse um e-mail. Foi graças a ele que recebeu um telefonema em 5 de novembro, dia do seu aniversário. Por duas horas, no meio da festa em comemoração aos seus 45 anos, elas conversaram sobre como mandar o líquido amniótico das pacientes para a Fiocruz, enquanto os convidados ficavam sem a anfitriã. As amostras foram retiradas na clínica particular da médica e enviadas ao Rio – tudo custeado por ela.

Na semana seguinte, Adriana aproveitou um congresso em São Paulo para falar com uma das maiores autoridades do mundo em cérebro de bebê, o médico Gustavo Malinger, da Universidade de Tel Aviv. Ele viu as ultrassonografias no feriado da Proclamação da República, ficou surpreso e pediu para ver as mulheres. Em 15 de novembro, as gestantes viajaram para cidade e foram examinadas, mas ele não chegou a nenhum resultado conclusivo.

No mesmo dia, um domingo, a médica soube que a Fiocruz faria um anúncio –tinham encontrado algo, mas era uma informação inédita que precisava de mais evidências, porque haveria questionamentos.

De volta à Paraíba, teve então um encontro com autoridades de saúde do Estado e novamente contou ter seus argumentos refutados. Ao dizer que o protocolo do Ministério da Saúde estava errado por indicar a investigação de microcefalia somente após o nascimento do bebê, ela diz que escutou grosserias –coisas como “ponha-se no seu lugar” e “quem você pensa que é?”

Para ela, o serviço de saúde precisava diagnosticar o feto e prever quantos casos de má-formação iriam ocorrer para poder preparar uma estrutura. Tratava-se de uma doença de gestação. Ela citou o exemplo de Juazeirinho, cidade de 18 mil habitantes que teve quatro casos e estava há seis meses sem larvicida.

Em dezembro, o Ministério da Saúde incluiu a medição do perímetro cefálico nas ultrassonografias de pré-natal e a notificação em casos de suspeita de microcefalia em fetos.

No dia 17 de novembro, a Fiocruz fez o anúncio: os líquidos amnióticos recolhidos por ela tinham restos do vírus da zika morto, o que comprovava que os filhos das duas mulheres tiveram contato com o vírus.

Adriana sabe que a associação da microcefalia com a zika ainda não foi totalmente entendida, mas diz que prefere dar a chance a milhões de mulheres no mundo de escolherem sobre suas gestações ou protegerem seus filhos. Caso esteja errada, diz que irá pedir desculpas, mas que prefere o exagero à omissão.

Atualmente, o Ministério da Saúde investiga 3.670 casos suspeitos de microcefalia. Cerca de 400 já foram confirmados e 700, descartados.

Felipe Pereira
Do UOL, em Campina Grande (PB)

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