(O Globo, 17/12/2015) Mulheres que deram à luz na unidade denunciaram obstetra à polícia
A Secretaria municipal de Saúde abriu uma sindicância para investigar suspeitas de violência contra mulheres que deram à luz no Hospital Miguel Couto, na Gávea. Pelo menos sete acusaram um obstetra de agressões no momento do parto. Registros foram feitos pelas supostas vítimas na 14ªDP (Leblon). O médico, hoje afastado da unidade, ganhou até um apelido: Cachorrão.
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Ana Paula Gonçalves Abreu, de 24 anos, contou que já sabia da “fama” do obstetra quando chegou ao Miguel Couto para dar à luz, em 2014.
– Na sala de pré-parto, quanto mais eu reclamava da dor, mais ele dizia que não ia me atender – lembrou Ana Paula, moradora de Rio das Pedras. – Meu marido não foi autorizado a acompanhar o nascimento do nosso filho, e, lá dentro, toda vez que eu gritava, o médico me dava um tapa na cara. Ele chegou a subir em cima da maca para me bater e colocou gaze dentro da minha boca, para eu não fazer barulho.
Logo depois do nascimento do bebê, a mãe não conseguiu amamentar o pequeno Jackson, hoje com 1 ano e 4 meses. Ela, que passa por acompanhamento psicológico desde o episódio, afirmou que não pensa em ter outro filho.
– Ele disse que eu não servia para ser mãe – contou Ana Paula.
A Superintendência de Hospitais Pediátricos e Maternidades (SHPM) da Secretaria municipal de Saúde informou que o médico permanecerá afastado de suas funções até que seja concluída uma sindicância. “O procedimento segue em sigilo”, informou o órgão, por meio de uma nota. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) será acionado caso haja comprovação da veracidade das denúncias, mas, por enquanto, não apura o caso.
Uma outra vítima, Diciane da Silva Sousa, de 20 anos, afirmou, em depoimento registrado em agosto na 14ª DP, que foi “xingada e maltratada pelo doutor”. De acordo com a queixa, ele teria dito “abre as pernas, bota força, vagabunda!”.
Diciane, que mora em Queimados, também disse que relatou as agressões a uma coordenadora do Miguel Couto, que, segundo o registro policial, “teria percebido que a declarante foi maltratada, pois encontrava-se com os olhos com manchas vermelhas e pintas arroxeadas na face e nos braços”. O bebê – uma menina – morreu logo após o parto, em 28 de julho deste ano.
– Tinha medo de ir para o Miguel Couto, sabia que ele maltratava as mulheres. Comigo, não foi diferente. Quando eu gritava de dor, ele perguntava: “Na hora de fazer, você gostou, não é? Por que está gritando agora?” – contou Diciane, que ainda aguarda o resultado da autópsia do bebê.
A delegada Monique Vidal, titular da 14ª DP, disse que “foram ouvidos três médicos que estavam na sala de parto e o suposto autor, e todos negaram os xingamentos”. As investigações continuam.
Assessora parlamentar da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa (Alerj), Mônica Miranda entrevistou cerca de 15 mulheres que teriam sido vítimas de maus-tratos por parte do obstetra.
– As mulheres saem marcadas. Muitas não querem mais dar à luz no Miguel Couto, porque têm medo – observa Mônica, que também é coordenadora da União Brasileira de Mulheres e ressaltou a importância de se denunciar casos do tipo. – Se não tem denúncia, não há como apurar.
As denúncias contra o médico surgiram durante uma audiência pública sobre mortalidade materna e violência obstétrica na Alerj, em 28 de maio. Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a deputada Enfermeira Rejane (PCdoB) solicitou que o obstetra fosse ouvido, mas ele não compareceu a uma reunião marcada para 10 de novembro nem justificou a ausência.
Em setembro de 2011, a Secretaria municipal de Saúde demitiu um médico do Hospital Miguel Couto que rabiscou, com uma caneta, um braço de uma grávida que buscava atendimento. Ele escreveu “Fernando Magalhães” (nome de uma maternidade em São Cristóvão) e “476 e 460” (linhas de ônibus que a levariam à unidade).
Marina Cohen
Acesse PDF: Médico é acusado de agredir gestantes no Hospital Miguel Couto (O Globo, 17/12/2015)