(O Globo, 21/10/2015) Associação americana muda diretriz e brasileiros analisam impacto da recomendação
Uma nova e polêmica diretriz da Associação Americana de Câncer (ACS, na sigla em inglês), divulgada ontem, sugere que as mulheres comecem a fazer mamografia aos 45 anos de idade, adiando em cinco anos o início do exame. Até os 54 anos, a mamografia deve ser anual e, depois desta idade, feita a cada dois anos. Exames clínicos de mama, aqueles em que os médicos apalpam a área para detectar nódulos, estão desaconselhados. A mudança, recomendada por uma das entidades mais conservadoras no que se refere ao rastreamento de câncer de mama, não se aplica às mulheres com alto risco para a doença. A alegação da ACS é de que o alto índice de resultados falsos positivos em mulheres com menos de 45 anos causa angústia desnecessária, e que a eficácia das mamografias é baixa para essa faixa etária.
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Por aqui, a idade de início do exame também está em análise. Semana passada uma audiência pública reuniu parlamentares, entidades, membros do Ministério da Saúde e pacientes para discutir a idade do rastreamento feito pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), dos 50 aos 69 anos. O presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), Ruffo de Freitas Jr., que estava na reunião, acredita, porém, que o exame deve começar mais cedo.
— A idade certa para começar a fazer mamografia no Brasil é 40 anos, porque entre 40 e 50 anos a prevalência do câncer de mama é de 25%, enquanto que em outros países, como EUA, Canadá e Suécia, fica entre 10% e 15% — explica.
REDUÇÃO DA MORTALIDADE EM 44%
A recomendação, segundo Ruffo, é da SBM, do Colégio Brasileiro de Radiologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Com base em um estudo canadense, ele rebate o argumento usado pela ACS da baixa eficácia do exame: em três de sete províncias que participaram da pesquisa, a redução de mortes por câncer de mama foi de 44% em mulheres de 40 a 49 anos submetidas à mamografia.
— Como qualquer exame, a mamografia também dá falsos positivos. Por outro lado, não sabemos qual tumor é letal e qual não é. O melhor, então, é fazer o exame — pontua ele.
Com essa mudança nos EUA, existem hoje por lá três diferentes idades — 40, 45 e 50 — recomendadas por três entidades, o que gera confusão entre as mulheres e seus médicos. Um grupo ligado ao governo defende 50 anos como idade adequada, já uma associação de obstetras e ginecologistas crava nos 40 anos.
A ACS ressalta que as mulheres com idades entre 40 e 44 anos que quiserem começar a fazer mamografias anuais poderão fazê-lo, embora esta não seja uma “forte recomendação”. Outra mudança é que, em vez de parar de realizar o exame aos 75 anos, a mulher não terá mais uma idade limite para abandonar o exame. Caso ela esteja bem de saúde, com expectativa de vida estimada em dez anos ou mais, é recomendado que ela continue a fazer a mamografia a cada dois anos — não foram observadas diferenças significativas no desenvolvimento de tumores no intervalo bianual na comparação com o anual. A nova política resultou de uma revisão exaustiva de dados de pesquisas que a ACS realiza regularmente para atualizar suas diretrizes de triagem. A última revisão foi em 2003.
Segundo Gilberto Amorim, coordenador de Oncologia Mamária do Grupo D’Or e titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, a mudança de paradigma dentro da entidade americana, que é um dos grandes centros de referência para o tema no mundo, pode influenciar a discussão no Brasil.
— O nosso Ministério da Saúde defende que a mamografia seja feita apenas entre os 50 e os 69 anos. Será que ele vai continuar a bater nessa tecla, mesmo com os atuais debates? — questiona Amorim. — Ao passo que a Associação Americana do Câncer restringe a mamografia para as mulheres mais jovens, ela estende esse prazo para as mais velhas, o que considero muito importante. Se a mulher passou dos 69 anos, mas está bem e tem uma expectativa de vida longeva, por que ela deve parar de fazer os exames?
Ele concorda com a idade inicial de 45 anos para o rastreamento do câncer de mama. Segundo ele, apenas cerca de 10% das pacientes que desenvolvem a doença têm menos de 45 anos. Amorim esclarece que boa parte delas é formada pelas mulheres com mutação genética e com muitos casos na família. Estas acabam desenvolvendo o câncer até mesmo com menos de 30 anos e, portanto, ficariam de fora de qualquer política pública de rastreamento.
— Quem tem alta propensão genética é exceção e precisa ter um acompanhamento individualizado — diz ele. — Caso a mulher não tenha histórico familiar, mas tenha começado a menstruar muito cedo, não teve filhos e tem queixas frequentes sobre as mamas, considero razoável que ela comece a fazer mamografia aos 40 anos mesmo.
40% DAS BRASILEIRAS ENTRE 50 E 69 ANOS NÃO FAZEM O EXAME
A Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada este ano com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 40% das brasileiras de 50 a 69 anos não fazem mamografia. A meta da Organização Mundial de Saúde (OMS), porém, é de que pelo menos 70% das mulheres o realizem todo ano. De acordo com a pesquisa, o maior número de mamografias foi realizado por mulheres brancas (66,2%) e com ensino superior completo (80,9%). As menores proporções foram entre negras (54,2%), pardas (52,9%) e com ensino fundamental incompleto (50,9%).
Um estudo da Rede Goiana de Pesquisa em Mastologia revela que, no Nordeste e no Norte, 14 pessoas em cada cem mil morrem de câncer de mama, enquanto no Sul e no Sudeste são 6,6 em cada cem mil. Mudar rapidamente orientações pode trazer insegurança, na opinião do oncologista Daniel Tabak, do Centro de Tratamento Oncológico. Ele acredita que a nova diretriz ainda será amadurecida, mesmo nos EUA — e deve demorar para ser adotada no Brasil.
— Essas novas diretrizes trarão novos questionamentos. É uma análise de risco, mas resta saber se, no futuro, a mulher estará disposta a participar desse processo e não se submeter à mamografia anualmente. Quem assume o risco se de fato houver progressão da doença? — questiona o médico, que acredita que o melhor é e será a análise individualizada e a boa conversa do médico com a paciente. — O problema é que hoje a mamografia leva a no mínimo uma biópsia quando há alguma alteração. Ainda não temos métodos biológicos para saber se o tumor requer uma operação antes desse momento. Isso mudaria o processo.
Para Henrique Alberto Pasqualette, vice-presidente da Comissão de Imaginologia Mamária da Febrasgo, a tomossíntese, também chamada de mamografia 3D, reduz a chance de falsos positivos porque aumenta em 30% a precisão do resultado. Ele diz que um acesso mais amplo da população a esse tipo de exame aliviaria tanto os gastos dos serviços de saúde, quanto a aflição das mulheres.
— Com uma mamografia conclusiva, o médico não precisa levar a paciente a outros exames ou a uma biópsia, há uma economia de dinheiro e de transtorno. Só que a mamografia 3D é bem mais cara do que a comum, que é digital, e ela existe em apenas cerca de 50 centros no Brasil inteiro — conta ele.
Segundo o médico, os EUA reduziram os gastos de saúde pública em U$ 1 milhão após ampliar o uso dessa técnica tridimensional.
Clarissa Pains e Viviane Nogueira
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