(Agência Aids, 10/03/2016) Ela tem 40 anos, é mãe, avó, vive com HIV desde os 16 e há mais de uma década luta pela garantia dos direitos das pessoas soropositivas no Brasil. Esta é Simoni Bitencourt. Natural de Marechal Cândido Rondon, no Paraná, Simoni descobriu no Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas que, independentemente de viver ou não com HIV/aids, toda mulher tem seus direitos.
Seu primeiro contato com o movimento social de luta contra a aids foi em 2003, num encontro de mulheres, em Goiânia. “Cheguei ao evento tímida e perdida, eu já estava infectada e não conseguia nem dizer isso. Depois de ouvir histórias de mulheres soropositivas e entender que a realidade delas não era diferente da minha, consegui me fortalecer para aceitar minha condição. Descobri nesse encontro que temos direitos, não somos doentes nem criminosas por ter HIV. Voltei para casa com o desejo de fazer algo para que outras mulheres não fossem desrespeitadas. E fiz.”
Simoni chegou à sua cidade, Ponta Porã (Mato Grosso do Sul), cheia de ideias e com vontade de pôr em prática o que aprendeu. “Mobilizei muita gente e sete meses depois, em fevereiro de 2004, consegui fundar a primeira casa de acolhimento para pessoas com HIV na cidade, o Gapp (Grupo de Ação e Prevenção às Pessoas Vivendo com HIV/aids). O encontro das Cidadãs foi uma luz, me ajudou a resgatar um sentido para minha vida e me ensinou a ser mulher novamente. Daquele momento até hoje luto para que nenhuma mulher com HIV viva o que vivi.”
Diagnóstico e gravidez
Simoni descobriu o HIV no início da década de 1990, durante uma gravidez. Ela tinha apenas 16 anos, estava casada e recebeu a notícia quando fazia o pré-natal. “Meu marido também estava infectado e me acusava de ter passado o vírus para ele. Ele me obrigava a manter segredo sobre nossa sorologia e vivíamos escondidos. Minha vida sempre foi complicada. Saí da casa dos meus pais aos 13 anos, fui criada pela minha avó, usei drogas e me prostitui.”
O que mais fragilizou a então adolescente foi ter descoberto, aos nove meses de gravidez, que seu bebê estava morto dentro de sua barriga. “Fiz o pré-natal direitinho, mas quando os médicos descobriram que meu filho tinha morrido eles se recusaram a fazer uma cesárea por medo de se infectarem. Carreguei meu filho morto dentro de mim por 15 dias e só consegui que alguém fizesse meu parto porque fui para o Paraguai e me internei numa clínica particular. Não revelei para eles que eu era soropositiva. Eu já estava com um quadro grave de infecção. Quase morri.”
Simoni não desistiu de ser mãe. Três anos depois, engravidou novamente. “Tive medo de reviver aquela situação desumana. Felizmente, meu filho nasceu com saúde, está saudável e já tem 21 anos. Mas corri o risco de ter passado HIV para ele por falta de informação. A equipe médica não me disse que eu não podia amamentar e fiz isso por seis meses. Só parei quando uma assistente social me visitou e disse que o leite materno podia conter o vírus. Por sorte, não infectei meu bebê.”
Ela ficou casada com o mesmo homem por 18 anos e teve com ele mais um filho, atualmente com 13 anos e também soronegativo.
Militância
Enquanto os filhos cresciam, Simoni ia enfrentando os desafios da causa contra a aids. “Não foi fácil manter o projeto Gapp. No primeiro ano, não tínhamos convênio com a prefeitura e as pessoas não entendiam qual era a proposta. Quando descobriram que ali seria montada uma casa de apoio para pessoas com HIV, botaram fogo no imóvel, que era alugado. Mas não desistimos. Me dediquei integralmente ao projeto, até voltei a estudar para aprender a falar melhor com as pessoas e apresentar o nosso trabalho.”
No Gapp, Simoni era presidente, secretária, faxineira, lavava roupa, enfim, não tinha tempo ruim. “O projeto só precisava dar certo, aquelas pessoas [beneficiárias da casa] confiavam em mim.”
Hoje, a casa atende 35 pessoas. “Nosso foco é quem vive com HIV, mas mudamos um pouco a nossa missão para garantir a sustentabilidade do trabalho, por isso, acolhemos também as mulheres vítimas de violência.”
A ativista conta que, por mais de uma década, colocou o ativismo acima da vida pessoal. “Representei o movimento de aids na Cams (Comissão Nacional de Articulação com Movimentos Sociais), na Cnaids (Comissão Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais), fui secretária da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+Brasil), do Movimento Nacional da Cidadãs Posithivas. Aprendi muito e tive a oportunidade de conhecer a realidade da doença Brasil afora. Agora, o meu momento é outro.”
Simoni quer dar uma parada e se dedicar à vida familiar. Em 2009, ela conheceu o ativista Elifrank no 3º Encontro da RNP+, em Manaus (AM) e começaram a namorar. “No encontro seguinte, em Campina Grande (PB), fizemos um casamento simbólico. Eli é de Manaus e veio para Ponta Porã viver comigo. Hoje, ele fica três meses aqui e três lá. Nossa relação está um pouco bagunçada, mas estou me organizando para largar tudo e viver essa história de amor em Manaus. Eu me encontrei e preciso de mim. Descobri que não sou mais feliz do jeito que vivo.”
Acesse no site de origem: MÊS DA MULHER: Simoni Bitencourt encontrou nas Cidadãs Posithivas um novo sentido para a vida (Agência Aids, 10/03/2016)