(Uol, 10/03/2016) Desde novembro de 2015, quando o Ministério da Saúde declarou situação de emergência em saúde pública no país por conta do aumento repentino do número de bebês nascidos com uma má-formação congênita no cérebro, o termo microcefalia entrou no cotidiano de noticiários e conversas.
A microcefalia, condição em que a criança nasce com um crânio menor do que a média, é considerada apenas a “ponta do iceberg” de complicações associadas ao vírus da zika.
Médicos e pesquisadores começam a falar em uma síndrome congênita da zika, que inclui outros dados relatados, como calcificações no tecido cerebral, hidrocefalia, problemas nos olhos, nos ouvidos e nas articulações e até membros com má-formação.
“Em uma grávida que teve sintomas de zika com 18 semanas, o bebê tinha catarata em um dos olhos, um olho menor que o outro, além de cérebro e cerebelo quase inexistentes”, apontou a médica Adriana Melo, da Paraíba, um dos Estados com maior número de crianças afetadas.
Casos de bebês com sobreposição de dedos, braços e pernas curvadas e até com um braço maior que o outro foram apresentados durante um seminário sobre zika no Recife, que reuniu profissionais de vários Estados para compartilharem experiências.
“Ainda não é possível saber todo o leque de alterações que o vírus pode causar.” Cláudio Maierovitch, diretor do Ministério da Saúde
Nos casos relatados de maior gravidade, as crianças não sobreviveram. Essas são algumas das 139 mortes durante a gestação ou após o parto investigados pelo Ministério da Saúde até o início de março.
Padrão de completa destruição
As incertezas ao redor de um vírus pouco conhecido causam burburinho. No entanto, os médicos e cientistas que têm acompanhado as crianças e os exames são unânimes ao apontar a severidade das lesões relacionadas ao vírus da zika.
“Temos visto um padrão de completa destruição do sistema nervoso. Só são encontradas as cicatrizes [no cérebro].” Raimunda Socorro Azevedo, pesquisadora do Instituto Evandro Chagas
“Quando você olha o exame, é muito diferente. Os casos são muito mais graves. O cérebro não tem sulcos, às vezes é quase liso”, indica Adriana Melo, que atende a casos em Campina Grande (PB).
As lesões aparecem não só em crianças com perímetro cefálico menor do que a média, mas também em bebês com cabeça de tamanho considerado normal. Em todos os casos, as alterações são percebidas por exames de imagem, como o ultrassom ou a tomografia.
Aumento de líquido e epilepsia
Os problemas não se restringem ao desenvolvimento da criança durante a gestação, a médica Ana Van der Linden, que acompanha cerca de 50 crianças com microcefalia no Recife, aponta que 10% dos bebês desenvolveram epilepsia por volta do terceiro mês de vida.
Outra preocupação é o aparecimento de líquido dentro do crânio após o nascimento. Alguns bebês nasceram com microcefalia e, após o nascimento, a área vazia deixada pelo cérebro de tamanho reduzido foi preenchida por líquido.
Ainda que já tenha sido confirmado por pesquisas que o vírus da zika afeta tecidos no cérebro e também o tronco cerebral de fetos, os pesquisadores ainda sabem muito pouco sobre sua ação.
A princípio, acreditava-se que a infecção pelo vírus fosse mais prejudicial nos primeiros meses da gravidez. Contudo, um estudo feito com grávidas do Rio de Janeiro apontou que filhos de mulheres contaminadas entre a 5ª e a 38ª semanas de gravidez apresentaram más-formações, como microcefalia, calcificações cerebrais, restrição de crescimento intrauterino, ausência de hemisférios cerebrais.
Nesse estudo, 29% das grávidas infectadas por zika acompanhadas esperavam bebês com alterações neurológicas. Até o dia 5 de março, 745 casos de microcefalia ou alterações neurológicas foram confirmados em 18 Estados do país.
Complicações da zika em jovens e adultos
Além das consequências graves que o vírus da zika têm apresentado em gestantes, a doença também preocupa pelo aumento de complicações neurológicas em jovens e adultos que estão associadas à zika.
Desde que o vírus foi percebido no Brasil, aumentou o número de casos reportados de síndrome de Guillain-Barré, que provoca paralisia muscular. De acordo com o Ministério da Saúde, o país teve 1.868 internações pela síndrome em 2015 –29,8% mais que em 2014.
Há relatos ainda de pacientes que desenvolveram outras complicações neurológicas após serem infectados por zika. “Guillain-Barré é a manifestação predominante. Mas há casos de meningite, meningoencefalite, encefalites. Então esse vírus não leva exclusivamente a Guillain-Barré”, explica Carlos Brito, pesquisador da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Pacientes com zika já foram diagnosticados com Adem (encefalomielite aguda disseminada, na sigla em inglês), que afeta o sistema nervoso central e provoca paralisia, e também com encefalites –houve pelo menos duas mortes no Rio de Janeiro.
Nesta semana, um estudo publicado na revista científica Lancet relatou o caso de uma jovem de 15 anos em Guadalupe que, após infecção por zika, teve mielite aguda, grave doença na medula.
“Ainda sabemos muito pouco. Por isso, pedimos para que os médicos fiquem atentos a qualquer doença neurológica em pacientes com antecedente de zika”, afirma Brito.esse
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