(O Estado de S.Paulo, 28/04/2014) O número de brasileiros mortos por complicações diretamente relacionadas à obesidade triplicou em um período de dez anos, revela levantamento inédito feito pelo Estadão Dados com base em informações do Datasus. Em 2001, 808 óbitos tiveram a doença como uma das causas. Em 2011, último dado disponível, o número passou para 2.390, crescimento de 196%.
O aumento também foi significativo quando considerada a taxa de mortos por 1 milhão de habitantes. No mesmo período de dez anos, a taxa dobrou. Foi de 5,4 para 11,9, segundo dados do Ministério da Saúde.
Os dados levam em consideração as mortes nas quais a obesidade aparece como uma das causas no atestado de óbito. Segundo especialistas, como o excesso de peso é fator de risco para diversos tipos de doenças, como câncer e diabete, o número de vítimas indiretas da obesidade é ainda maior.
“As causas mais comuns de moite relacionadas à obesidade são as doenças cardiovasculares, como o enfarte e o acidente vascular cerebral (AVC). Sabemos, porém, que ela também está relacionada a muitos outros problemas, como apneia do sono, insuficiência renal e vários tipos de câncer”, afirma o endocrinologista Mario Carra, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Segundo o Ministério da Saúde, o aumento das mortes é um reflexo da “epidemia de obesidade” registrada hoje no País. “Outros países viveram isso primeiro, com alto consumo de alimentos industrializados e sedentarismo. O Brasil, ainda que mais tarde, está vivendo agora. Pesquisas feitas anualmente pelo ministério mostram que a obesidade e o sobrepeso têm aumentado muito”, afirma o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Helvécio Magalhães.
O último levantamento da pasta mostrou que mais da metade dos adultos brasileiros tem sobrepeso e pelo menos 17% da população está obesa.
Há dois meses, o aposentado Angelino Pires de Moraes, de 86 anos, tornou-se mais uma vítima do excesso de peso. Com 100 quilos e pouco menos de 1,80 de altura, ele sofreu um enfarte dentro de casa e morreu na hora. “Ele tinha colesterol alto e hipertensão. O médico já tinha avisado que o coração estava obstruído por gordura, mas ele não mudava a alimentação”, conta o barbeiro Sérgio Buscarino de Moraes, de 50 anos, filho do aposentado. “Meu pai era teimoso e piorou depois que a minha mãe morreu, há cinco meses. Ficou deprimido e passou a cuidar menos da saúde”, diz.
Medidas. Para especialistas, não é só a mudança de hábitos dos brasileiros que aumentou a mortalidade por obesidade. De acordo com Mareio Mancini, chefe do grupo de obesidade e síndrome metabólica do Hospital das Clínicas de São Paulo, as políticas públicas de prevenção e tratamento devem ser aprimoradas. “Não se faz prevenção em unidades básicas de saúde. Há o tratamento para diabetes, colesterol, hipertensão, mas pouco se faz para barrar o ganho de peso. Essa mesma preocupação deveria existir nas escolas”, afirma ele.
De acordo com o especialista, quanto mais cedo se instala a obesidade, mais cedo a pessoa pode morrer. “Se uma pessoa já tem obesidade mórbida com 20 anos e permanece assim, a doença vai encurtar a vida desse paciente em 12 anos”, diz ele.
Para Maria Tereza Zanella, endocrinologista da Unifesp, é preciso mudar os hábitos desde a infância. “As crianças vivem em apartamento, jogam videogame e comem produtos industrializados. São alimentos que têm um sabor agradável e as crianças vão se acostumando, mas isso deve ser evitado”, diz ela.
Além da prevenção falha, os médicos apontam estrutura insuficiente para o tratamento da obesidade. “O SUS não oferece o tratamento medicamentoso, e os centros de referência para cirurgia bariátrica não dão conta da demanda”, diz Mancini.
Em março, pelo menos 3 mil obesos de várias regiões do Brasil lotaram o ginásio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para passar por triagem em busca de cirurgia bariátrica. A fila de espera tem 2 mil pessoas.
Meta é a prevenção na escola, diz ministério
O Ministério da Saúde afirma investir em prevenção nas escolas. “Só em 2013, o programa Saúde na Escola beneficiou 18 milhões de crianças e adolescentes. Estamos pesando e medindo todos os alunos. Quando é detectado algum problema, a criança já é encaminhada para acompanhamento das equipes de saúde da família”, diz o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Helvécio Magalhães.
Segundo ele, o governo federal tem investido ainda nas academias de saúde, espaços públicos com aparelhos para exercícios e profissionais capacitados para orientar a população. “Já temos 1,7 mil em funcionamento e a meta é chegar a 4 mil até o final do ano.”
O secretário citou também como medidas para combater a obesidade no País acordos com a indústria para reduzir os teores de sódio, açúcar e gordura dos alimentos e maior investimento na atenção básica e em ambulatórios de especialidades. A pasta informou que o número de cirurgias bariátricas feitas pelo SUS passou de 368, em 2000, para 6.883,no ano passado. “Sabemos a dimensão do problema. A meta é reduzir a obesidade infantil e estabilizar a obesidade adulta. A expectativa é de que os primeiros resultados apareçam em cinco anos.” Segundo o Ministério da Saúde, o SUS não oferece tratamento medicamentoso porque “o uso de inibidores de apetite, isoladamente, não apresenta eficácia comprovada do ponto de vista clínico”. / F.C
Mortalidade atinge mais as mulheres
Do total de óbitos registrados entre 2001 e 2011,64% tiveram como vítimas pessoas do sexo feminino. “Dados do IBGE de 2009 já mostravam que a prevalência de obesidade mórbida (quando o índice de Massa Corpórea é superior a 40) é muito maior entre as mulheres”, afirma Almino Ramos, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.
As maiores vítimas estão na faixa etária dos 50 aos 59 anos. “Como a obesidade reduz a expectativa de vida, é esperado que os obesos sejam afetados por doenças graves mais cedo, na faixa etária dos 50 anos”, diz o endocrinologista Mareio Mancini, do Hospital das Clínicas.
Os especialistas explicam que, além do monitorar o IMC, as pessoas devem ficar atentas à circunferência abdominal, que indica a presença de gordura visceral, ou seja, aquela que se aloja entre os órgãos e aumenta 0 risco de enfarte. “A medida não deve passar de 102 cm no homem e de 88 cm na mulher”, afirma Mario Carra, da Abeso.
O IMC da dona de casa Neide Fabretti Aguilar Martins, de 71 anos, chegou a 51. Com 127 quilos e 1,55 metro de altura, ela desenvolveu diabetes e hipertensão, além de uma artrose no joelho, provocada pelo excesso de peso. Há dez anos, iniciou tratamento que combinava dieta, atividade física na água e uso de inibidores de apetite. Hoje com 81 quilos, ela diz estar mais ativa. “O médico quer que eu chegue aos 70 quilos e eu estou tentando. E um cuidado para o resto da vida.” /F.C.
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