Ação é em razão dos procedimentos disciplinares que o Cremesp abriu contra médicos que realizaram o procedimento no hospital Vila Nova Cachoerinha em vítimas de estupro. Órgão pede indenização coletiva de R$ 500 mil para médicos e pacientes.
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação na Justiça para que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) seja condenado a pagar R$ 500 mil em indenização por danos morais por abuso de autoridade contra os médicos que realizaram aborto legal em hospitais de São Paulo.
O valor é em indenização coletiva para os médicos e as pacientes.
A ação é em razão dos procedimentos disciplinares que o Cremesp abriu contra médicos que realizaram o procedimento de aborto legal no hospital Vila Nova Cachoerinha em mulheres vítimas de estupro. Segundo a ação, eles foram ameaçados de terem seus registros cassados.
Em abril, a colunista Mônica Bergamo, da “Folha de S.Paulo”, denunciou o caso. Segundo ela, integrantes do Cremesp alegaram que os profissionais teriam praticado tortura, tratamento cruel, negligência, imprudência e até mesmo o assassinato de fetos —ainda que embriões não tenham direitos previstos pela Constituição.
De acordo com o MPF, o Cremesp efetuou uma vistoria no hospital, em dezembro de 2023, e requisitou os prontuários de mulheres que haviam se submetido ao procedimento nos dois meses anteriores.
“Durante a apuração do MPF, o Conselho não conseguiu demonstrar que havia justa causa para as diligências e instauração de procedimentos ético-disciplinares, tampouco para utilização dos dados sensíveis das pacientes acessados irregularmente. Ao acessar os documentos sem consentimento das pacientes e dos profissionais e utilizá-los para embasar os atos administrativos, a entidade violou o sigilo médico, garantido pela Constituição, pelo Código de Ética Médica e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)”, afirmou o MPF.
Para o órgão, o Cremesp cometeu abuso de autoridade e “afronta ao devido processo administrativo”.
Ana Letícia Absy, procuradora regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo e autora da ação, o Cremesp gerou um “dano moral indiscutível”.
“Tudo isso gerou um dano moral indiscutível aos médicos sujeitos aos processos ético-profissionais indevidos, às pacientes que tiveram seus prontuários médicos devassados e a toda a coletividade de meninas e mulheres que precisam realizar o abortamento legal e ficam desamparadas do atendimento médico necessário, pelo receio gerado entre os profissionais da área médica em realizar o procedimento abortivo, bem como pela criminalização indevida de conduta autorizada no ordenamento jurídico e que configura a melhor prática médica”, afirmou.
O g1 pediu uma posição do Cremesp sobre a ação, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Em 3 de dezembro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu o prazo de cinco dias para a prefeitura e o governo de São Paulo responderem se tiveram acesso aos prontuários de pacientes que realizaram aborto nos hospitais da capital. Ele também questionou se os dados foram passados para o Cremesp.
Na decisão, o ministro diz que ,”caso os dados não tenham sido compartilhados, ficam os entes cientificados, desde logo, sobre a proibição de fornecerem dados pessoais constantes de prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal”.
Há mais de um ano o serviço de aborto legal vem sendo uma questão para a Prefeitura de SP. Em dezembro de 2023, o serviço foi suspenso no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, que era referência neste tipo de atendimento. Houve diversas ações na Justiça para a prefeitura voltar a oferecer o serviço, no entanto, em fevereiro deste ano, a gestão de Ricardo Nunes (MDB) conseguiu uma liminar para manter o aborto legal suspenso.