(Folha de S. Paulo, 24/08/2016) A minha defesa pelo direito de a mulher infectada por zika decidir se deseja ou não interromper a gestação se sustenta em dois pilares centrais: o respeito à autonomia da mulher e o fato de que hoje as mulheres não têm noção da gravidade da situação.
Boa parte das crianças afetadas pela síndrome da zika congênita têm poucas chances de uma recuperação e de possibilidade de inserção numa vida com razoável qualidade e autonomia.
A avaliação das crianças que nasceram no Norte e no Nordeste, do ponto de vista da neuropediatria e da oftalmologia, faz com que qualquer médico tenha a noção da gravidade desses casos.
Além disso, existem antecedentes na história da medicina, como o surto de rubéola nos EUA na década de 1960, em que as mulheres tiveram a orientação dos seus médicos de pensar no que iam fazer por causa do risco, ainda que ainda não se houvesse um diagnóstico [de má formação do bebê]. Isso deve ser estendido às mulheres no caso da zika.
Você não pode ser obrigado a correr um risco. Uma analogia é embarcar num avião com um sinal no painel mostrando o risco de cair e obrigar o sujeito a embarcar. Obrigar alguém a correr riscos é desumano. Não deve ser obrigatório ter um diagnóstico de uma lesão constatada [no caso, a microcefalia.
Hoje, o Estado brasileiro não oferece suporte algum às mulheres. Você obriga o sujeito a correr um risco e não dá nenhum suporte quando ele é obrigado a enfrentar as consequências.
Temos que respeitar o direito de escolha, o direito de a mulher saber que riscos ela quer correr na vida, que é dela, e cujas consequências, caso ela venha a correr o risco, vão recair no colo dela.
THOMAZ GOLLOP é obstetra e professor da USP.
Acesse no site de origem: Mulher, que corre o risco, tem que poder escolher abortar se tiver zika (Folha de S. Paulo, 24/08/2016)