Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu descriminalizar o aborto até o terceiro mês de gestação em um caso específico na última semana, o tema voltou à discussão.
(HuffPost Brasil, 05/12/2016 – acesse no site de origem)
A legalização ou não do aborto virou pauta principalmente na Câmara dos Deputados, na qual o presidente Rodrigo Maia já criou uma comissão especial que pode incluir na Constituição uma regra clara sobre o aborto. No caso, tornar mais rígida a legislação sobre a interrupção de gravidez, contrariando a decisão do STF.
Hoje, o aborto no Brasil é considerado crime. Pelo Código Penal, a mulher só pode interromper a gravidez em caso de estupro ou quando corre o risco de morte.
Criminalizar o aborto, porém, é algo criticado por médicos e especialistas em direitos humanos, uma vez que a lei não impede a realização dos procedimentos — apenas deixa-os ainda mais perigosos.
Sem assistência médica, muitas mulheres recorrem às clinicas clandestinas e medicamentos abortivos, medidas que colocam sua saúde em risco. Uma pesquisa realizada pelo Anis, Instituto de Bioética, e divulgada pelo Fantástico no último domingo (4), por exemplo, mostra que uma em cada cinco mulheres com até 40 anos já realizou um aborto inseguro no Brasil.
O descriminalização do aborto também é um tema defendido e debatido pela ONU Mulheres, órgão da Organização das Nações Unidas especializado no direito e defesa da mulher. “A ONU Mulheres entende que os direitos das mulheres não são divisíveis, ou seja, os direitos sexuais e reprodutivos são parte disso”, disse a Dra. Nadine Gasman, que é médica, doutora em Políticas da Saúde e representante da ONU Mulheres no Brasil.
Para Nadine, o posicionamento do STF foi de encontro com o que organismos internacionais têm debatido no sentido de revisar leis para garantir que as mulheres tenham o direito de decidir sobre sua própria gestação.
Questionada sobre a reação da Câmara em relação à decisão histórica do Supremo, Gasman afirma que a grande responsabilidade dos congressistas é não interferir no direito das mulheres.
“Acredito que o Congresso Nacional tem uma responsabilidade muito grande de não tirar direitos das mulheres”, disse a representante da ONU.
“A gente tem que pensar que há uma proposta em que o Tribunal está fazendo seu trabalho, que parte de suas obrigações, e está respondendo o Habeas corpus que, primeiro, está no direito das mulheres e, segundo, vai de encontro com acordos internacionais.”
Responsabilidade social da reprodução
Assim como o aborto, Nadine acredita que o papel do homem e da sociedade na criação dos filhos também deve ser debatido:
“Reprodução não é apenas questão das mulheres, é uma questão da sociedade. A sociedade tem que criar uma educação que faça com que o homem, desde criança, entenda que ele faz parte da reprodução não só biológica, mas também social”
Segundo ela, também é preciso pensar em políticas públicas que supram as necessidade dos pais e das mães que trabalham e que precisa ter uma vida tranquila. “O que não vemos hoje. As mulheres trabalham muito mais horas que os homens, porque elas acumulam o trabalho doméstico.”
Um estudo divulgado pelo IBGE na última sexta-feira revelou que as mulheres brasileiras trabalham, em média, cinco horas a mais que os homens (somando o trabalho em casa), mas recebem 24% menos que eles.
Segundo Gasman, a sociedade brasileira ainda é extremamente machista e conservadora, e a classe política é um reflexo disto. Dados do TSE mostram que apenas 10% das cadeiras da Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres.
“O machismo no Brasil independe de classe e educação”, disse Nadine, ressaltando que o único jeito de mudar isto é a desconstrução do que é percebido como “normal” por muitas mulheres e homens. “Temos um grande movimento de mulheres que estão indo para as ruas e redes sociais, e você tem que ser parte disso.”
“Tem que ter consciência que isso não é normal, que você não pode aceitar o machismo, o sexismo e o racismo como uma questão natural. Os Os números falam para você que você tem que mudar. O discurso que estamos construindo, com a ONU Mulheres e movimentos das mulheres, é para você.”