Após ter pedido negado pela ministra Rosa Weber, estudante espera resultado de habeas corpus para realizar aborto legal sem ser criminalizada.
(HuffPost Brasil, 03/12/2017 – acesse no site de origem)
“Estou apostando todas as minhas fichas para que eu consiga de uma maneira ou de outra fazer legalmente esse procedimento”, afirma Rebeca Mendes Silva Leite, de 30 anos, sobre a apresentação de habeas corpus preventivo na última semana na 1ª Vara Criminal de São Miguel Paulista, em São Paulo, para evitar punições caso faça um aborto.
Após ter pedido de aborto negado no Supremo Tribunal Federal (STF), pela ministra Rosa Weber, por ser uma solicitação de “natureza subjetiva individual”, Rebeca conta em entrevista ao HuffPost Brasil que “se sentiu desamparada pela Justiça” e que seu maior receio é “não conseguir resposta em tempo hábil” para realizar o procedimento de forma segura.
“É muita pressão interna minha porque o tempo está passando e eu continuo grávida. E eu peço para interromper uma gestação, só que assim, com a demora, esse feto está desenvolvendo, então assim, eu, para ser bem sincera, eu perdi o sono à noite e é difícil você dormir e acordar tendo pesadelos, sabe? Eu me senti desamparada pela Justiça”, afirma.
Com caráter de urgência, o habeas corpus preventivo apresentado à Justiça de São Paulo na última sexta-feira (1) foi entendido como necessário pelas advogadas no caso de Rebeca por ser “um pedido judicial de urgência para garantia de direitos em risco”, para não incriminá-la ou quem a assista no aborto. “Não é ‘liberar o aborto’, mas entender que no caso de Rebeca o procedimento é uma proteção à saúde”, explica Gabriela Rondon, advogada da estudante ao HuffPost Brasil.
Ela, mãe solo de dois meninos, um de 9 anos e o outro de 6, estudante universitária e trabalhando em emprego temporário, descobriu a terceira gravidez, no dia 14 de novembro. No pedido apresentado à Justiça, Rebeca, grávida de sete semanas atualmente, alega não ter condições emocionais, psicológicas e econômicas de criar um filho.
“Eu estou apostando todas as minhas fichas para que eu consiga de uma maneira ou de outra fazer legalmente esse procedimento. Mas assim, depois de tudo isso que eu fiz, de toda essa repercussão, de ter sido exposta, a minha vida, a minha família, e acabar dando em nada, para mim, é um pesadelo. E eu não quero viver um pesadelo”, afirma.
Para a estudante universitária, a “luta das mulheres precisava de que alguém fosse lá e desse a cara a tapa”. E justifica: “Por que eu não sou uma, nós somos muitas. E elas existem. E o Estado precisa ver que essas mulheres necessitam de amparo. Porque todas elas são cidadãs, todas elas pagam impostos, todas elas merecem direito de decidir o que fazer com o seu corpo”.
Uma em cada cinco mulheres até 40 anos já fez, pelo menos, um aborto no Brasil, segundo estimativa da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA). Muitas precisam recorrer ao abortamento ilegal e estima-se que um milhão de procedimentos, em geral inseguros, são realizados por ano no Brasil, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A cada dois dias uma mulher morre por complicações decorrentes do aborto ilegal no País.
A história de Rebeca ficou conhecida em meio a um contexto controverso, em que a PEC “Cavalo de Troia”, que estabelece que “a vida começa na concepção” foi aprovada em comissão especial na Câmara. Há duas semanas, ela recorreu ao STF para ter o direito de interromper a gravidez de forma legal, sem o risco de ser investigada ou punida criminalmente pela Justiça.
Rebeca pede por algo que, no Brasil, só é permitido em casos de estupro ou de risco à vida da gestante, segundo o Código Penal — e em casos de anencefalia, segundo decisão do STF. Atualmente, a lei prevê pena de um a três anos de detenção caso a gestante provoque o aborto em si mesma ou permita a interrupção da gravidez por terceiros.
Ela conta, em entrevista, que quando a ação foi protocolada no STF, em 23 de novembro, e seu nome foi divulgado, passou a ser alvo tanto de mensagens de apoio quanto de críticas pela decisão de fazer um aborto.
“As pessoas têm opinião sobre tudo. Inclusive sobre uma situação que elas não passam. Eu tentei evitar esse tipo de crítica porque não me agregaria em nada. Eu sabia que quando a gente entrou com esse caso que as pessoas iriam comentar e que muitas iriam criticar”, lembra. “Mas na minha vida eu não dou muito valor para opinião de pessoas que não me conhecem.”
Ela conta que, em contrapartida, teve apoio de conhecidos e anônimos. “Muita gente falando ‘olha, aqui no meu país você não precisaria se expor para conseguir ter o direito de decidir sobre o seu corpo’. Muita negatividade, mas também muita gente que me dá apoio. E é o que me importa, o que eu levo, o que eu considero”.
Com o sonho de se tornar advogada, Rebeca está no quinto semestre do curso de Direito, pago com bolsa integral do PROUNI (Programa Universidade para Todos). Atualmente, ela recebe um salário de R$ 1.200 de um emprego temporário no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que vai até fevereiro de 2018, e paga um aluguel de R$ 600 pela casa em que mora com os dois filhos.
Separada do pai dos dois filhos – que também é responsável pela terceira gravidez e está de acordo com a decisão de interrompê-la- ela recebe uma pensão que varia entre R$ 700 e R$ 1.000 por mês. A relação sexual aconteceu durante o intervalo da troca de contraceptivos e a sua defesa alega negligência do SUS (Sistema Único de Saúde).
Segundo o pedido entregue ao STF, a estudante fazia uso de contraceptivo injetável a cada três meses, mas após seis anos de uso, “ganhou peso e desenvolveu mal-estar circulatório”. Assim, em setembro, procurou o serviço público de saúde para buscar alternativas.
No SUS, ela disse que gostaria de usar um dispositivo intrauterino (DIU) de cobre, mas foi encaminhada para exame de ultrassonografia. Por causa do período menstrual, não pôde fazer o exame, remarcado para dezembro deste ano. Nesse intervalo, teve uma única relação sexual com o ex-marido e engravidou.
Ela teve respaldo do PSOL e da ONG Anis – Instituto de Bioética para entrar com o pedido, que foi incorporado a uma ação que já corria na instância superior para tentar descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação, período considerado seguro para realização do procedimento, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Isso é necessário porque aborto é um crime no Brasil por uma lei de 1940, quando não se tinha a tecnologia médica atual”, afirma Gabriela Rondon, advogada de Rebeca. “Hoje sabemos identificar uma gravidez ainda em estágios iniciais, quando ainda não há um feto com possibilidade de sobrevida fora do útero. Rebeca está com atraso menstrual de três semanas, uma gravidez de 7 semanas. Ou seja, é um estágio muito inicial que no tempo de criação do Código Penal uma mulher nem sabia que estava grávida”, completa.
A advogada ainda afirma que, se concedido, o habeas corpus no caso de Rebeca poderá mover outros pedidos no País relacionadas à questão, assim foi com a anencefalia nos anos 1990, quando as primeiras mulheres foram à justiça pedir o direito ao aborto, pois o feto não iria sobreviver ao parto. Ela afirma:
É preciso sair da clandestinidade e bater à porta da justiça. Rebeca é uma mulher corajosa que não deseja correr riscos à saúde, pois tem vontade de viver e seus dois filhos são integralmente dependentes dela. É preciso que outros rostos e vozes questionem a lei pela via legal.
Apesar de a ministra ter negado a liminar a Rebeca, a possibilidade de descriminalizar o aborto quando feito até o terceiro mês de gestação ainda será analisada pelo plenário do STF, em data a ser definida.
A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou no processo defendendo a legislação atual sobre aborto e afirmando que qualquer mudança teria que ser feita pelo Congresso Nacional, com “amplo debate”.
Até o momento, a Justiça de São Paulo não se manifestou sobre o pedido de habeas corpus.
Andréa Martinelli