(O Globo) A entrevista concedida ao GLOBO pelo número dois do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids), o brasileiro Luiz Loures, confirma a tendência geral de queda dos níveis globais de infecção pelo vírus e de óbitos associados à doença. Segundo o último relatório da Unaids, em 2012 foram registrados 1,6 milhão de mortes, número ainda assustador, mas em queda acentuada em relação aos 2,3 milhões de 2005, apenas sete anos antes.
A melhora no perfil epidemiológico mundial tem diversas causas — uma das mais importantes, o aumento, em 2012, do percentual (20%) de pessoas contaminadas em países pobres e de renda média a entrarem na rede de tratamento. Isso representa mais 9,7 milhões de infectados com acesso a terapias antirretrovirais. Outro dado positivo é relativo à infecção de crianças pelo vírus HIV: desde 2001, a queda de contaminação nessa faixa foi de 52%.
Loures se considera um otimista e mantém sua meta — que, aliás, deveria ser a de todos — de declarar o fim da epidemia em 2030. Contudo, sua entrevista confirma também dados preocupantes, a mostrar que não há lugar para acomodações, pois o flagelo encontra outras formas de ressurgir. É o caso da inversão da tendência de queda da infecção entre homossexuais masculinos, o primeiro grande grupo de risco a ser atingido em cheio pela doença.
O que ocorre, provavelmente, é um relaxamento dos cuidados preventivos necessários na vida sexual dos indivíduos, que baixam a guarda diante justamente dos avanços obtidos na contenção da doença. O que leva Loures a defender que as estratégias de combate sejam repensadas e renovadas, pois “é como se a epidemia, de certa forma, se adaptasse aos progressos que fizemos; então, temos que inovar”.
O Brasil tem excelentes resultados a mostrar na luta contra a Aids pelo pioneirismo na quebra de patentes das drogas antirretrovirais e na distribuição do chamado coquetel desses remédios aos infectados, via Sistema Único de Saúde (SUS). Loures, vice-diretor da Unaids, está certo ao defender que o país reassuma seu pioneirismo e passe a tratar imediatamente a população de risco que teste positivo.
Sua proposta é que, pelo menos no caso dos grupos mais vulneráveis (homossexuais masculinos, trabalhadores do sexo, usuários de drogas injetáveis), o tratamento seja iniciado tão logo o resultado do exame der positivo, sem esperar que baixe a contagem das células de defesa do organismo. Isto ajudaria também a frear a transmissão do vírus, pois pessoas que tomam o coquetel têm a carga viral bastante reduzida.
“É uma chance histórica, uma oportunidade única”, diz o infectologista. Realmente, as autoridades brasileiras não devem desperdiçar a possibilidade de confirmar o pioneirismo do país nesta área, contribuindo também para que a meta de Loures para 2030 possa ser cumprida.
Acesse o PDF: Tolerância zero com epidemia de Aids (O Globo – 03/11/2013)