(G1/Norte e Nordeste) “A gente pensa que Aids só dá em quem é profissional do sexo, quem mexe com drogas, quem é homossexual. Eu sempre fui mãe de família, dona de casa. E acabei sendo infectada”. O relato é da professora e tradutora Denise Hecksher, de 51 anos, que há oito anos descobriu ter a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids, provocada pelo retrovírus HIV.
A notícia foi recebida em março de 2005, no Dia Internacional da Mulher. Na época, Denise morava no Rio de Janeiro, era casada e tinha dois filhos. “Uma amiga, que é médica ginecologista, pediu alguns exames porque que eu tinha emagrecido muito. Mas não perguntei para que era. Naquele dia, fui informada por telefone que o resultado de HIV deu positivo. Na hora, não tinha entendido o sentido desse positivo. Depois que fui descobrir o significado daquela notícia”, disse.
Ela lembra que não foi fácil começar a encarar a situação. “Eu me sentia totalmente perdida. Cada vez que eu sangrava, tinha muito medo, principalmente por causa de meus filhos. Só comecei a tomar os medicamentos dois anos depois”, contou.
“Eu sofria violência do meu ex-marido. Fui agredida por várias vezes. Cheguei a ir à Delegacia da Mulher por várias vezes. Então, na situação que eu vivia, sofrendo violência, o positivo foi bom. Comecei a viver. Tomei coragem para sair dessa situação”, afirma.
Denise ficou na mesma casa com o marido até 2009, após o filho caçula completar 18 anos. Neste ano ela se mudou para Londrina, no norte do Paraná. Na cidade, conheceu o Núcleo Londrinense de Redução de Danos (NLDR), onde trabalha como secretária. Ela começou a participar do Grupo de Ajuda Mútua, que reúne pessoas com HIV de ambos os sexos. Ali, Denise conseguiu perder o medo e ganhou forças para enfrentar a doença e ajudar outras pessoas que passam pelo mesmo problema.
Em 2011, Denise ajudou a organizar o Grupo de Mulheres Positivas de Londrina, um grupo específicos para mulheres com Aids. As reuniões ocorrem toda quarta-feira, no NLDR.
“São muitas mulheres que não têm voz. Sofrem em silêncio, por medo do parceiro ou da família. Queria ser um travesseiro para elas, para poderem desabafar e contar todo o seu sofrimento. Eu sei o quanto isso faz falta”, diz Denise.
“Falar é a melhor saída”
As reuniões do Grupo de Mulheres Positivas contam com a presença de Christina Franzon, psicóloga, que atua como voluntária no Núcleo desde 2012. “É um grupo de ajuda mutua. Não há regras, nem protocolo. Apesar de não ser soropositiva, sou mais uma entre elas”, explicou.
Para a psicóloga, a decisão de ir até o grupo mostra que a pessoa já começou a vencer os medos. “Muitas vezes, as mulheres chegam ali ao acabar de saber. As pessoas chegam fragilizadas, sem saber como vai ser. Nesse momento, acontece o choque, o sentimento de culpa por ter contraído o vírus, e sente a necessidade de pertencer a um grupo”, disse Franzon.
A participação das reuniões auxilia na busca pelo tratamento, aponta a psicóloga. “Falar sobre a doença é a melhor saída para enfrentá-la. Geralmente, quem não vai até o grupo, acaba não aderindo ou abandonando o tratamento”, analisa.
Número de mulheres com HIV cresce
Segundo dados da Secretaria de Saúde de Londrina, até dezembro de 2012 foram registrados 2.048 casos de pessoas portadoras de HIV na cidade. Dessas, 660 são mulheres. A proporção de mulheres com o vírus tem crescido gradativamente nos últimos anos, de acordo com a gerente do Programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) da secretaria, Regina Cortez.
“Atualmente são dois casos de homens para um de mulher. Essa proporção já foi de 20 para um, há duas décadas, e de dez para um, há dez anos”, aponta Regina, que completa dizendo que em algumas regiões, como áreas portuárias ou onde o turismo sexual é explorado, o número de mulheres com HIV passa o de homens.
Para a gerente do programa, esse crescimento acontece porque a mulher fisiologicamente acaba mais exposta a receber o vírus durante a relação sexual. “E também é uma questão da postura feminina com seu parceiro. Muitas ainda têm receio de pedir ao homem que use preservativo. Isso acaba influenciando nesse aumento de casos”, opina.
Outro problema apontado pela Secretaria de Saúde de Londrina é que 70% das mulheres que descobrem ter o retrovírus HIV dizem estar em um relacionamento estável. “Elas acham que estão seguras por manter o mesmo parceiro, mas muitas vezes o homem tem mais de uma relação, ou até mesmo tem o vírus e nunca fez exame”, explica Cortez.
Tratamento e exames
O tratamento para pessoas com Aids é disponibilizado pela rede pública de saúde. Em Londrina, três mil pessoas são acompanhadas pela Secretaria de Saúde, seja em caso de Aids ou portadores de HIV. O paciente conta com o apoio de médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, além dos medicamentos, todos de forma gratuita.
A gerente do Programa de DST em Londrina lembra ainda a importância de se realizar os exames de Aids e HIV. “Quanto mais rápido for detectado o vírus, melhor o tratamento e maior a qualidade de vida da pessoa. Temos o caso de um paciente que está em tratamento há 24 anos”, afirma Regina.
Para acelerar o resultado dos exames de DST, HIV e Aids, a Prefeitura de Londrina ampliou a disponibilidade de testes rápidos, que podem ser encontrados em 90% das Unidades Básicas de Saúde (UBS) da cidade. Conforme a Secretaria de Saúde, o resultado para HIV sai em 15 minutos. Já o resultado para o teste completo, que engloba HIV, sífilis e hepatite tipos B e C, sai em 40 minutos.
O sistema mais ágil ampliou a procura aos exames. Entre janeiro e maio de 2013, foram realizados 1300 testes, contra 1800 em todo o ano de 2012.
“Os exames ajudam tanto a pessoa, que já sabe a necessidade de começar ou não o tratamento, e também ao sistema público de saúde, que poderá mapear e saber como agir para conter a doença”, explica Cortez.
Serviço – Grupo Mulheres Positivas de Londrina
Data/Horário: Todas as quartas-feiras, a partir das 16h.
Local: Núcleo Londrinense de Redução de Danos – Rua Senador Souza Naves, 189, salas 12 e 13 – Centro – Londrina (PR).
Acesse em pdf: ‘Eu me sentia perdida’, diz mulher infectada pelo vírus HIV (G1/Norte e Nordeste – 07/07/2013)