(Folha de S.Paulo) O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje o julgamento sobre o direito da gestante de interromper a gravidez em caso de anencefalia do feto. O tema é polêmico e tem repercussão nacional, porque a discussão parece prenunciar a definitiva legalização do aborto. Longe disso, contudo.
A anencefalia é uma má-formação embrionária que resulta na ausência de cérebro e de cerebelo. Ela não tem cura e, segundo o Conselho Federal de Medicina e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, inviabiliza a vida fora do útero.
Estima-se que a anencefalia ocorra em 0,2% das gravidezes, e a maior parte delas termina em aborto espontâneo. Nas raras vezes em que nasce, o bebê anencéfalo sobrevive em geral poucas horas.
É difícil, portanto, sustentar que a interrupção desse tipo de gestação equivalha a provocar um aborto -prática que consta do Código Penal entre os crimes contra a vida. Em termos médicos, o feto anencéfalo é um natimorto cerebral. Eis por que tem sido utilizada a expressão “antecipação terapêutica do parto”.
Vale ressalvar que a legislação prevê duas situações em que o aborto não é considerado crime: quando a gravidez resulta de estupro ou se não houver outro meio de salvar a vida da gestante.
A proibição já não é absoluta. Não parece justo forçar a mãe a conduzir uma gestação cujo desenlace será inevitavelmente a morte do feto. É manifesto que se trata de gravidez que põe em risco a saúde física e mental da mulher.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental que o Supremo julgará hoje, proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), traz precisamente o argumento de que tal situação ofende a dignidade humana da mãe e viola seu direito à saúde.
Quando analisou a ação há oito anos, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, concedeu liminar a favor da CNTS. Três meses depois, sua decisão foi derrubada no plenário, por 7 votos a 4.
O plenário que se reúne hoje para resolver o mérito da ação terá cinco ministros que não estavam na Corte naquela ocasião. Entre os que se aposentaram, quatro haviam votado contra a liminar.
Ao que parece, agora a tendência do Supremo seria descriminalizar a antecipação do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo. É de esperar que seja assim, para que cada mulher esteja livre para exercer seu direito, nessa condição extrema, de decidir se prossegue ou não com a gestação.
Acesse em pdf: Um direito da mãe, editorial (Folha de S.Paulo – 11/04/2012)