(O Estado de S. Paulo) A descriminalização do aborto, um dos temas mais polêmicos e que mais desgastaram a candidata Dilma Rousseff e o PT na campanha presidencial do ano passado, volta à cena política. Na 3.ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que será aberta amanhã em Brasília pela presidente, a militância feminista vai cobrar do governo empenho na articulação de um projeto de lei que garanta às mulheres o direito de interromper a gravidez indesejada. Hoje a lei só autoriza o aborto em casos de estupro e de risco de vida para a mãe.
Para o movimento feminista, a descriminalização é considerada direito fundamental – por envolver o livre exercício da sexualidade e a não imposição da maternidade como destino. Para os movimentos de direitos humanos, trata-se de passo decisivo na defesa da saúde feminina: seus representantes argumentam que, na rede de saúde pública, as complicações decorrentes de abortos em condições inseguras aparecem em terceiro lugar entre as causas de mortalidade materna. Mas, para Dilma e o PT, trata-se de terreno minado.
Escaldada com a campanha, quando pressões de grupos católicos e evangélicos a levaram a assinar a carta na qual se declarou contrária ao aborto e favorável à atual legislação, Dilma deve passar ao largo do tema na conferência. Segundo a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, organizadora do evento, a presidente se mantém fiel ao que disse como candidata, no ano passado.
“Ela foi muito clara com o Brasil quando afirmou que respeitaria integralmente a legislação”, diz Iriny. “Quanto à mudança da lei, qualquer resolução da conferência deve ser encaminhada ao Legislativo. As mulheres debatem e o governo aceita as decisões da conferência, mas não se pode substituir poderes.”
Além de cobrar apoio a projetos de mudança da lei, a conferência deve exigir do governo melhorias nos serviços de saúde destinados a atender as mulheres nos casos de aborto legal. Segundo relatórios enviados a Brasília pelas conferências estaduais, mulheres com direito ao aborto ainda são maltratadas e discriminadas na rede pública. Algumas sofrem com a falta de informação dos médicos e demora nas decisões judiciais.
Recuo do PT. Temas relativos ao aborto já fazem parte do 2.º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Lançado em 2008, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o plano serviu de texto-base para todas as discussões preparatórias da conferência que começa amanhã e que mobilizaram cerca de 200 mil mulheres em todo o País.
Os mesmos temas também estavam presentes no 3.º Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula tornou oficial em maio de 2010. Eles não eram, portanto, estranhos ao PT. Ao contrário, o debate feminista sempre fez parte da história do partido, que cresceu apoiado por movimentos sociais e sindicais e pelos chamados setores progressistas da Igreja Católica.
A cobrança do movimento feminista para que o governo se envolva no debate é baseado no passado do PT. Em 2004, ao término da 1.ª Conferência Nacional de Política para Mulheres, foi criada uma comissão tripartite, envolvendo o governo federal, o Legislativo e setores da sociedade civil, com a tarefa de elaborar um projeto de lei de descriminalização do aborto. A iniciativa foi do governo, a partir das resoluções da conferência.
Reação. As coisas mudaram na campanha de 2010, quando se descobriu que os grupos contrários ao aborto e ao reconhecimento de direitos dos homossexuais estavam mais organizados do que se supunha. Em artigo publicado no Relatório Direitos Humanos no Brasil 2011, lançado na semana passada em São Paulo pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a militante Sonia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres, observa que tais grupos impuseram o debate sobre esses temas e pressionaram os candidatos.
“Qualquer candidatura que ousasse publicizar um nível de ponderação com relação à situação do aborto clandestino era denunciada como conivente com assassinatos”, diz ela no artigo.
Ao final da campanha, a situação piorou para as feministas. A bancada evangélica no Congresso, que atua articulada com os católicos para evitar mudanças na lei em relação ao aborto e aos homossexuais, aumentou 50% na eleição. Atingiu um total de 63 deputados e 3 senadores.
É nesse cenário que Dilma, primeira mulher eleita presidente no País, se encontra com as feministas. A pauta do evento também inclui temas como o combate ao preconceito contra lésbicas e mais garantias para a participação de mulheres na política.
Acesse em pdf: Encontro de mulheres rediscute legalização do aborto (O Estado de S. Paulo – 11/12/2011)
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