(G1) Antes do diagnóstico, ela obedecia religiosamente o marido e à igreja. Na nova vida, Clara luta por grupo de soropositivos em Aracaju.
A vendedora de produtos de beleza Maria Clara, 55 anos, não poderia imaginar que quatro anos depois de descobrir que é soropositiva estaria tão satisfeita com a direção que a sua vida tomou.
Ela estava casada havia mais de 30 anos, tinha uma vida estável, mas não planejava o futuro. “Antes de tudo acontecer eu não tinha uma vida com planos pessoais. Vivia em função dos filhos e do marido”, lembra. Hoje, o que para muitos pode ser uma tragédia, para Clara foi uma mudança que trouxe ‘mais flores do que espinhos’.
Em fevereiro de 2009, Maria Clara se deparou com uma situação diferente no casamento. O marido corria para hospital com hemorragia e febre. A equipe médica pediu autorização para realizar um exame. O resultado mostrou que o esposo estava com HIV e trouxe também mais uma novidade. De acompanhante, ela passava a ser paciente.
Doze dias depois ele morreu, e ela continuava com as dúvidas e incertezas do que estava acontecendo em sua vida. “Fui ao padre, estava muito angustiada, mas a frase de apoio que ouvi só me enfraqueceu: ‘Iguais a você tem milhares aqui na igreja’. Ela lembra o quanto isso a revoltou, pois já chegou a partilhar com o religioso sobre a possibilidade de usar camisinha durante o casamento.
“Mas a atitude não era aprovada pela igreja e eu obedeci”.
Mesmo com o desamparo, Maria não perdeu a fé. “Foi ela quem me segurou. Ainda fiquei um ano isolada com todos os sintomas da depressão”. Foi então, que Clara procurou o Centro de Infectologia de Aracaju e recebeu todas as orientações de como lidar com o novo destino. Esse encontro foi um divisor de águas em sua vida. “Deixei de ser a garota que casou aos 17 anos, teve quatro filhos e semrpe foi obediente ao marido e à igreja”, garante.
No começo das reuniões com o grupo de apoio, Clara comentou que foi um choque. “Fiquei surpresa com o meu preconceito. Lá tinham pessoas de todas as classes sociais desde os engravatados, até garotas de programa”, detalha.
Inicialmente o contato deixava Maria inquieta. “Todos os meus conceitos e princípios de vida estavam sendo reavaliados”, recorda.
Hoje, além de Maria Clara fazer parte do grupo de adesão ela também vestiu a causa dos soropositivos no estado, se aliando a 238 mulheres que lutam por melhores condições de tratamento da doença. Uma luta, segundo ela, sem barreiras.
“Sou católica, mas informei que em momento algum ele [o padre] falasse da proibição do uso ao preservativo na minha frente, pois iria debater em qualquer lugar, até mesmo na missa”, defende.
O irmão de Maria também é padre. “Sinto que estamos vivendo um momento muito novo. O meu irmão não concorda, mas percebo a dúvida no olhar dele quando trago mais informações sobre o assunto”, observa.
3.200 casos são notificados em SE
Maria Clara faz parte do maior grupo das mulheres infectadas em Sergipe. De acordo com dados do programa Municipal de DST/Aids, a maioria das mulheres infectadas pelo vírus contraiu o HIV de seus maridos ou de parceiros fixos. Atualmente, cerca de 800 mulheres são soropositivas em Sergipe.
Segundo estimativa do Programa Estadual de DST/Aids, nos últimos 25 anos foram notificados mais de 3.200 casos da doença sexualmente transmissível. Cerca de 2.000 pacientes estão em tratamento. Aracaju lidera o ranking de cidades sergipanas com mais casos de Aids, seguida por Nossa Senhora do Socorro, Itabaiana e Estância. Porém, o estado é o último do Nordeste e o 23º do país em ocorrências da doença. “A maioria vive em situação de pobreza. A faixa etária mais atingida é de 20 a 50 anos”, detalhou Almir Santana, coordenador do programa, que reforça que está cada vez mais fácil o acesso ao preservativo, informação e teste rápido.
Transmissão do vírus
O HIV pode ser transmitido pelo sangue, sêmen, secreção vaginal e pelo leite materno. “O uso consistente da camisinha é o meio mais seguro de se prevenir contra o HIV e contra outras Doenças Sexualmente Transmissíveis. Seringas e agulhas não devem ser compartilhadas. Todo cidadão tem direito ao acesso gratuito aos medicamentos antirretrovirais. A boa adesão ao tratamento é condição indispensável para a prevenção e controle da doença, com efeitos positivos diretos na vida do soropositivo”, orienta o médico Almir Santana.
Teste rápido do HIV
A secretário municipal da Saúde de Aracaju, Gorete Reis, destacou que o Programa de DST/Aids que foi implantado na capital na década de 90 tem se tornado uma referência nacional. “Aracaju vem se consolidando como serviço de referência nacional. Em 2011, o programa foi considerado o 5º Melhor Programa de DSTs do Brasil, pelo Departamento Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde. Um dos avanços do ano foi à implantação do teste rápido em HIV no serviço público”, ressalta.
Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA´s) de Sergipe:
Aracaju – CEMAR – Rua Bahia, s/n, bairro Siqueira Campos – Telefone: (79) 3234-0928
Itabaiana – Rua Josué Passos, 700 – Telefone: (79) 3431-2914
Lagarto – Avenida Machado, s/n, anexo C.S. Maria do Carmo Alves – Telefone: (79) 3631-9630
Estância – Avenida Gumercindo Bersa, 274, bairro Centro – Telefone: (79) 3522-6978
Socorro – Avenida Principal, s/n, Conjunto João Alves Filho – Telefone: (79) 3256-8079
Propriá – Praça Rodrigues Dória, 69 – Telefone: (79) 3322-2317 / 1022
Acesse o PDF: Após contrair HIV do marido, mulher abandona ‘dogmas’ e auxilia doentes (G1, 12/09/2013)