(O Globo) Os direitos humanos parecem não ter sido incluídos nas resoluções de Ano Novo para 2014. Há uma tendência de aumento no número de legislações punitivas, bem como da violência e discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) em todo o mundo. Poderia ser o contrário.
Eu atendi meus primeiros pacientes com aids no início dos anos 80. Com frequência, não podia voltar para casa, mesmo após o fim do meu plantão, porque muitos no hospital tinham medo de tratar pacientes soropositivos. Felizmente, as mudanças políticas no Brasil, a consolidação da democracia, pavimentaram o caminho para que os direitos humanos estivessem no centro da resposta à doença no país. Obtivemos ricos dividendos.
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A resposta à aids, em sua jornada de três décadas, encontra-se agora em uma encruzilhada. Uma via leva ao fim da epidemia. Mas é a via menos trilhada. Não foi esta que os parlamentares de Uganda tomaram quando socaram suas mesas em comemoração à aprovação da legislação antigay. Na Nigéria uma nova lei penaliza com prisão homens gays. A lei nigeriana proíbe até mesmo o direito de associação, ameaçando a existência de ONGs que trabalham com a população LGBT e o acesso à informação. Na Índia, foi negada pela Suprema Corte a derrubada de velhas leis coloniais que punem homens gays. Não apenas uma, mas duas vezes, apesar da grande grita popular contra a decisão.
Os Jogos Olímpicos de Sochi ressaltam o fato de que debater a homossexualidade na Rússia é ilegal.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, em seu discurso ao Comitê Olímpico Internacional, afirmou: Devemos levantar nossas vozes contra prisões e restrições discriminatórias contra lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais. Em dezembro do ano passado, as Nações Unidas marcaram o dia dos Direitos Humanos com o tema o esporte contra a homofobia .
A História nos mostra que ganhos políticos às custas de minorias são perigosos e têm consequências sociais a longo prazo. O extremismo em nome da religião incita a violência e a repressão. As pessoas se escondem, vivem nas sombras. Hoje, acreditamos que podemos acabar com a epidemia de aids, mas não conseguiremos fazer isso se deixarmos lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros para trás. O número de novas infecções pelo HIV aumenta entre homens que fazem sexo com homens em todo o mundo. Taxas de infecção variam de 20% na África a mais de 50% em países latino-americanos. Ainda assim, os serviços de prevenção e tratamento não estão alcançando as populações LGBT. Indivíduos marginalizados, que temem a discriminação, o abuso, a perseguição e mesmo a prisão, são menos propensos a procurar serviços de testagem, tratamento e prevenção.
Ao mesmo tempo vivemos um paradoxo. No início da epidemia, quando não havia esperança, foi a comunidade LGBT que se manteve unida e resoluta, mostrando o caminho para a moderna resposta global à aids, salvando milhões de vidas e famílias.
O que pode deter tal onda negativa? A resposta é aceitar todas as pessoas como iguais. Impedir a aprovação de leis que roubam das pessoas LGBT sua dignidade. Direitos humanos não são negociáveis por representantes eleitos ou por caprichos de alguns setores da sociedade, ainda que majoritários. Eles são inerentes a todos. A Suprema Corte da Costa Rica deixou clara sua posição ao bloquear a tentativa de aprovação de um referendo pelo direito dos gays. Necessitamos de mais exemplos positivos. O Brasil tem uma oportunidade única de apresentar sua diversidade e longa liderança em temas LGBT ao transformar o ano da Copa no ano contra a discriminação.
Luiz Loures é vice-diretor do Programa de aids das Nações Unidas
Acesse o PDF: Combate à aids e ao preconceito (O Globo, 14/02/2014)