(Zuenir Ventura, colunista de O Globo) Quem melhor definiu a dramática decisão do STF de permitir a interrupção da gravidez de bebês sem cérebro (anencéfalos) foi a ministra Cármen Lúcia, que justificou seu voto favorável à ação de forma emocionada e precisa: “Todas as opções são de dor. A escolha é qual a menor dor. Não é escolha fácil, é trágica sempre.” Católica praticante, ela advertiu, no entanto, que o Supremo não estava decidindo sobre o aborto, e sim autorizando um caso específico. “A mulher deve ter o direito de escolher como enfrentar esse momento de dor.” Segundo a imagem que usou, o útero é o primeiro berço do ser humano. “Quando o berço se transforma em um pequeno esquife, a vida se entorta.”
Por tudo isso, esta talvez tenha sido a questão mais delicada e transcendente já julgada por aquele tribunal, mexendo com dogmas religiosos, princípios morais, conceitos e preconceitos, direito individual, livre arbítrio, dignidade da mulher, enfim, envolvendo a própria concepção do ser humano. As reflexões e justificativas dos oito juízesque votaram a favor (só Ricardo Lewandowsky e Cezar Peluso votaram contra; Dias Toffoli declarou-se impedido) estiveram à altura da importância do tema e revelaram a inconsistência dos protestos feitos em nome da defesa e preservação da vida, como se ela é que estivesse em jogo e não sua impossibilidade. Se não há possibilidade de sobreviver, já que o recém-nascido acometido do mal morre em seguida, como falar em direito à sobrevivência?
Como disse o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, não se pode sequer falar em aborto nesses casos, pois se trata de feto sem cérebro. Ele considera que seria injusto impor às mulheres “o sentimento de meras incubadoras, ou melhor, de caixões ambulantes”. Luiz Fux também usou imagem forte, ao dizer que impedir a interrupção “equivale à tortura”. Ele contou que todas as pessoas contra a descriminalização que ouviu “tinham crianças sãs”. Ayres Brito, cujo voto deu maioria à aprovação, recorreu a uma metáfora mais poética, comparando o anencéfalo a uma “crisálida que jamais chegará ao estágio de borboleta, porque jamais alçará vôo”.
O que parece não ter ficado muito claro para alguns é que a decisão do Supremo não induz nem exige ou obriga, apenas permite que a mulher faça sua opção de dor sem ser estigmatizada, sem que seja considerada uma criminosa por isso.
Leia em PDF: As opções de dor, por Zuenir Ventura (O Globo – 14/04/2012)