(Carlos Heitor Cony, colunista da Folha de S.Paulo) Voltou ao debate nacional o problema que coloca na berlinda um tema que envolve religião e Estado. Não mais se trata do aborto em si, que frequentou a última campanha eleitoral. Desta vez, foi o caso dos anencéfalos (crianças que nascem sem cérebro), que não deixa de ser uma forma de aborto que pode ser diagnosticada pelo atual estágio da investigação médica.
Como sempre, apesar de reconhecerem que o Estado é leigo, os religiosos em geral são contrários a qualquer tipo de interrupção da gravidez -método considerado agressivo da condição humana, equivalente à esterilização obrigatória adotada por regimes fascistas, em especial pelos nazistas até o final da Segunda Guerra Mundial.
Aliás, foi um dos crimes que entrou na pauta do julgamento de Nuremberg, que condenou as principais autoridades do Terceiro Reich, em especial o marechal Hermann Goering, o segundo homem na hierarquia hitlerista. Contudo o seu advogado de defesa, Otto Stahmer, pediu que o presidente do tribunal lesse em voz alta um artigo da Constituição do Estado da Virgínia (EUA), bem anterior à lei da esterilização obrigatória de portadores de deficiência física ou mental, adotada pelos nazistas.
Com diferença de algumas palavras, era a mesma coisa. Isso não livraria os acusados da forca ou da prisão, mas foi água fria na acusação relativa àquele crime específico.
Sobravam muitas outras aberrações para condenar Goering e seus colegas no banco dos réus (ver biografia do marechal do Reich, de Roger Manvell e Heinrich Fraenkel, ou o filme “Julgamento em Nuremberg”, 1961, de Stanley Kramer, com Spencer Tracy no papel do juiz).
Estou citando esse caso histórico -e, de certa forma, recente- para lembrar que o aborto pode e tem variantes que, no todo ou em parte, o justificam.
Acesse em pdf: Um julgamento histórico, por Carlos Heitor Cony (Folha de S.Paulo – 15/04/2012)