18/02/2012 – Se o direito ao aborto não é tema para este governo…?

18 de fevereiro, 2012

(Folha de S.Paulo) O pedido de perdão do ministro Gilberto Carvalho à bancada evangélica nesta semana é exemplar de como a política e a obsessão pela hegemonia no Palácio do Planalto sufocam o bom debate.

Carvalho conversou com representantes de 74 deputados e oito senadores evangélicos. Foi pragmático.

“Realpolitik” em estado bruto. Afinal, sinais trocados indicavam que Dilma Rousseff poderia adotar políticas mais arrojadas sobre gays e aborto. O próprio ministro havia irritado os evangélicos dias antes falando em embate “ideológico”. Nenhum presidente dispensa quase cem votos no Congresso.

Perdão pedido, perdão concedido. Tudo resolvido dentro da lógica cristã. Menos para o país. O debate sobre a prática do aborto continua interditado. Mesmo após Dilma ter indicado a liberal Eleonora Menicucci para a Secretaria das Mulheres, o discurso do governo continua imutável: quem tem de tratar do assunto é a sociedade e o Congresso.

Evangélicos e católicos têm direito de ser contra a descriminalização do aborto. Dilma Rousseff também atua de maneira legítima ao agradar aos cristãos no processo eleitoral.

Mas o ponto não é esse. Se o governo da primeira presidente mulher não consegue debater abertamente o tema aborto, qual é a perspectiva? Nenhuma. A situação é desoladora. O aborto de risco é a quarta maior causa de mortes maternas no Brasil e a quinta maior razão de internações no SUS.

A política é cheia de situações improváveis. O republicano Richard Nixon reatou as relações entre os EUA e a China comunista. O operário de esquerda Lula ampliou no Brasil o mercado de consumo. Já no caso do aborto, jamais um presidente conservador abraçará a causa. Se Dilma mantiver sua atitude reducionista, ficará pedindo perdão aos evangélicos e circunscrevendo apenas à religião um problema que diz respeito à saúde pública do país.

Acesse em pdf: O perdão na política, por Fernando Rodrigues  (Folha de S.Paulo –  18/02/2012)


Leia também: Dilma e as mulheres, por Kennedy Alencar (Folha.com – 18/02/2012)

“Hoje, o governo alega que a discussão do aborto é problema da sociedade, na qual todos os segmentos devem ter direito de expressar suas opiniões, e do Congresso, onde tramitam propostas de ampliação da possibilidade de interrupção da gravidez. Esse argumento é pura enrolação. Desde o governo Lula, o Palácio do Planalto encontrou uma forma de comprar tempo e jogar o problema para o outro lado da praça dos Três Poderes.

Compreende-se que não seja a hora de Dilma travar essa batalha devido à absoluta falta de condições objetivas para uma vitória. Mas se espera que, em algum momento de sua Presidência, a primeira mulher a comandar o Brasil faça algo nesse sentido.

A nomeação de Eleonora Menicucci para a Secretaria Especial das Mulheres é um avanço tático, apesar de ela estar sob fogo cerrado neste momento e, portanto, tomar um cuidado inteligente com as palavras. Sua indicação foi um bom sinal para os defensores de políticas públicas voltadas para mulheres e LGBTs.

Temos um Estado laico. É dever desse Estado tratar a ampliação do direito ao aborto como uma questão de saúde pública porque ela envolve um interesse difuso da sociedade.

Os dados estão aí, como registrou Fernando Rodrigues numa excelente coluna na Folha no sábado de Carnaval (18/02). O chamado aborto de risco, aquele feito em condições inadequadas que ameaça tirar a vida da mulher, é a quarta maior causa de mortes maternas no país e a quinta razão para internações no SUS (Sistema Único de Saúde).

É correto que todas as religiões possam se manifestar livremente para persuadir mulheres a não abortar. Se houver uma mudança na legislação que amplie o direito à interrupção da gravidez, será preciso que a mulher ainda adote uma decisão individual, dolorosa, moral e, para muitos, religiosa. Tomada essa decisão, o SUS deve ampará-la.

Também é correto que todas as religiões se mobilizem para tentar evitar que o Congresso altere a lei. Faz parte do jogo democrático. Mas os verdadeiros líderes políticos devem tomar decisões impopulares e pouco compreendidas no seu tempo. Em 2010, Dilma se rendeu a um debate hipócrita, surpreendentemente estimulado por políticos supostamente iluministas. Tomara que surja a oportunidade de uma discussão em termos mais racionais. A presidente deve isso ao país e à sua própria biografia.”


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