(Folha de S.Paulo) Em tom panfletário contra procedimento, ‘Blood Money’ apela para números sem fonte científica e teoria conspiratória
Já de início, o documentário “Blood Money – Aborto Legalizado”, dirigido por David Kyle, deixa claro qual é sua bandeira: rejeição total ao aborto e defesa incondicional da vida desde a concepção.
O filme reúne depoimentos de padres, médicos, mulheres e da ex-proprietária de uma clínica de aborto para satanizar a lei que legalizou a prática nos EUA há 40 anos.
Há uma única opinião, a do movimento pró-vida. Não há espaço para outras ideias.
Sem citar fontes científicas, os entrevistados despejam estatísticas como “as mulheres que abortam estão quatro vezes mais propensas à internação psiquiátrica, nove vezes mais predispostas ao suicídio e 11 vezes mais propensas a não ter uma segunda gravidez”.
Também sem nenhuma prova, acusa os programas de planejamento familiar dos EUA de persuadir mulheres a interromper a gravidez indesejada e de fomentar a indústria do aborto visando puramente o lucro.
E vai fundo na teoria da conspiração: diz que os programas distribuem anticoncepcionais de baixa qualidade, para as mulheres engravidarem e ficarem mais suscetíveis a fazer um aborto.
Ao se apoiar em dogmas religiosos e em closes de mulheres arrependidas por terem abortado, o filme ignora questões importantes, como o fato de que muitas mulheres morrem pela prática do aborto inseguro nos países onde ele é considerado crime, como o Brasil.
A própria ONU (Organização das Nações Unidas) considera o aborto uma questão de saúde pública e já declarou que mantê-lo na ilegalidade aumenta os riscos de complicações sobretudo para as mulheres pobres e sem acesso a recursos médicos.
Um ponto positivo do filme é revelar o desamparo de mulheres diante de uma gravidez indesejada que, sem apoio, não acham outra alternativa senão interrompê-la.
Nessas situações, o aborto é um direito de escolha ou a total falta de opção?
Perdeu-se aí outra oportunidade de trazer mais profundidade ao documentário e deixá-lo menos panfletário.
BLOOD MONEY – ABORTO LEGALIZADO
DIREÇÃO David Kyle
PRODUÇÃO EUA, 2013
ONDE Espaço Itaú – Frei Caneca
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ruim
Acesse o PDF: Filme sobre aborto recusa debate profundo (Folha de S.Paulo, 22/11/2013)