Cristiane Segatto, repórter especial da revista Época, postou em seu blog no site da revista uma nota sobre o livro Segredos de Mulher: Diálogos entre um ginecologista e um psicanalista (Editora Atheneu).
Os autores são o ginecologista Alexandre Faisal Cury e o psicanalista Rubens Marcelo Volich. Alexandre fez pós-doutorado no Núcleo de Epidemiologia do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da USP. Rubens é doutor pela Universidade de Paris VII e professor do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. No livro, discutem casos reais e buscam entender a mulher em toda sua complexidade.
Para a jornalista, o capítulo sobre aborto é especialmente revelador. Nele, o médico observa que nenhuma mulher sai incólume da experiência do aborto, por mais pertinentes que sejam os motivos para justificá-lo. Um aborto dura para sempre. É uma experiência que deixa marcas emocionais profundas.
“Ele se constitui uma experiência de perda, mesmo quando a mulher conscientemente decide pela sua realização”, diz Rubens. “No futuro, ela poderá pensar no que poderia ter acontecido caso decidisse levar a gravidez adiante, poderá imaginar como seria o filho que não teve ou mesmo questionar se tomou a melhor decisão”. Muitos anos depois do aborto, algumas mulheres vão encará-lo como algo triste, mas necessário. Para outras, ele pode se transformar num drama sem fim.
“Se, do ponto de vista emocional, o aborto dura para sempre, o que as mulheres podem fazer para superar essa experiência? Rubens diz que a possibilidade de superar vivências difíceis (relacionadas ou não à feminilidade) depende essencialmente dos recursos que a mulher (e, claro, também o homem) desenvolveu ao longo da vida para lidar com frustrações, perdas, conflitos e, até mesmo, com situações de satisfação e prazer.”
“Alexandre cita dois fatores que têm grande importância na forma como a experiência do aborto ficará registrada. Esses fatores dependem menos da mulher e mais do contexto social. Se ela teve apoio do parceiro, talvez consiga lidar melhor com a experiência do aborto. O outro aspecto é o caráter de ilegalidade. A mulher que aborta no Brasil se torna, da noite para o dia, uma criminosa. ‘Nos países em que o abortamento é permitido por lei, a mulher encontra adequada assistência médica, psicológica e hospitalar e as coisas tendem a ser mais fáceis’, diz Alexandre. ‘Numa crise de vida como essa, o que menos a mulher precisa é de alguém culpando-a ou desamparando-a’, diz Alexandre.”
Cristiane Segatto escreve: “Como mulher e jornalista, gostaria de ver o tema do aborto seriamente discutido no Brasil. Essa é a mais emocional das questões políticas e morais que dividem o país. Pouco depois de assumir o Ministério da Saúde, o médico José Gomes Temporão defendeu, em abril de 2007, a realização de um plebiscito para discutir se o aborto deveria ser legalizado. Nunca mais se falou no assunto. Abafaram o caso”.
“Nenhuma mulher – rica ou pobre – gosta da ideia de abortar. Nenhuma mulher sai emocionalmente ilesa dessa experiência. Mas as mulheres pobres sofrem mais. Abortos sem atendimento médico adequado provocam hemorragias graves, perda do útero e morte. Eles são a terceira causa de mortalidade materna no Brasil. A cada ano, 220 mil mulheres procuram o SUS para fazer raspagens do útero (curetagem), necessárias depois do aborto.”
“Quando uma mulher se submete a um aborto, tem uma razão de foro íntimo muito forte. Na minha opinião, não cabe a ninguém que assista o drama à distância, ser a favor ou contra o aborto. O razoável é dizer que cabe à mulher decidir. Como já disse aqui, numa coluna publicada no ano passado, não me parece justo que todas as cidadãs tenham de se submeter a dogmas religiosos que não sejam os seus. Em outras palavras: a fé só faz sentido para quem a tem.”
Acesse o post na íntegra: O aborto dura para sempre, por Cristiane Segatto (Época – 23/04/2010)