(Renata Mariz, do Correio Braziliense) Entidades que apoiam o direito da mulher de interromper uma gestação indesejada e instituições contrárias à prática discutem a possibilidade de o Brasil adotar um serviço de acolhimento e aconselhamento às grávidas
A informação de que quase sete em cada 10 brasileiras que praticaram aborto confirmaram a gravidez indesejada em serviços de saúde, conforme o Correio mostrou com exclusividade na edição de ontem [acesse link abaixo], reforçou o coro de quem apoia um serviço de aconselhamento às gestantes na rede pública. “A proibição, do ponto de vista legal ou moral, não tem impedido às mulheres de fazerem aborto, então temos um problema de saúde pública. Por que não orientar essas pessoas que buscam positivar a suspeita da gravidez na rede de saúde sobre riscos de uma interrupção?”, afirma Rosângela Talib, uma das coordenadoras da organização não governamental Católicas pelo Direito de Decidir. O movimento católico tradicional, por outro lado, condena a ideia. E prepara para a próxima semana manifestações em Brasília contra o aborto.
“O profissional de saúde não está ali para recomendar a realização do aborto, essa não é a função dele”, destaca Paulo Fernando Melo, vice-presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família. A pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde que apontou o índice de 67% de confirmação da gravidez por exame de sangue ou ultrassonografia — entre as 122 mulheres entrevistadas em cinco capitais que interromperam a gestação — é vista com desconfiança por Melo. “A nós, parece uma forma de justificar a implantação da política de redução de danos. Acompanhamos a experiência do Uruguai, modelo que o Brasil quer copiar, e vimos os médicos incentivando o aborto apenas, sem adotar qualquer outro tipo de medida. Não deixaremos isso acontecer aqui”, critica o militante.
O grupo que defende o modelo uruguaio como uma opção viável no Brasil, entretanto, ressalta outras medidas, inclusive informar à mulher sobre a possibilidade de encaminhar a criança para adoção, embora não desqualifiquem a divulgação dos métodos abortivos seguros como um dos principais serviços a serem prestados. “É acolher no sistema de saúde e tentar trabalhar para que ela não coloque em risco a própria vida. Conheço um pouco da experiência de redução de danos e vejo bons resultados”, afirma a socióloga Dulce Xavier, atualmente gestora de políticas para as mulheres de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.
Leila Adesse, diretora da Ações Afirmativas em Direitos e Saúde, considera que nem mesmo o serviço oferecido a quem chega com complicações por conta de um aborto inseguro é praticado. “Há uma norma técnica do Ministério da Saúde dizendo como deve ser o atendimento. Mas o que vemos são mulheres sendo maltratadas e mal orientadas. Sem contar aquelas que, mesmo com problemas, não procuram o serviço ou buscam tarde demais por conta da criminalização”, diz. Hoje, a taxa de mortalidade materna no Brasil é semelhante à de países da África Subsaariana, com média de 65 mortes por mil nascidos. O governo brasileiro já reconheceu que, entre os oito objetivos do milênio, compromissos firmados com a ONU para serem atingidos até 2015, o de reduzir a morte de gestantes para 35 não será cumprido.
Desde que a discussão, dentro do governo, sobre redução de danos decorrentes do abortamento ilegal tornou-se pública, a sociedade tem se mobilizado, tanto contra quanto a favor. Enquanto no grupo que apoia a iniciativa a repercussão se dá atualmente de forma interna, com base em discussões sobre o assunto, o movimento religioso decidiu ir às ruas. Na segunda-feira, haverá uma sessão solene na Câmara dos Deputados. No dia seguinte, uma marcha na Esplanada dos Ministérios, com o mesmo tema, sairá à tarde. E na quarta-feira, os parlamentares das bancadas católica e evangélica tentarão votar, na Comissão de Finanças e Tributação, o projeto de lei que cria o Estatuto do Nascituro — uma legislação que garante direitos do feto.
Explicações
O Ministério da Saúde foi procurado pela reportagem, mas informou que não consta da agenda de trabalho a implantação de uma política de redução de danos nem colocou qualquer representante para comentar os dados da pesquisa divulgada pelo Correio na edição de ontem. Apesar dessa posição oficial que vem sendo mantida, a bancada religiosa no Congresso pretende votar um requerimento de informações ao ministro Alexandre Padilha, da Saúde, sobre o objetivo da viagem de quatro servidores, no ano passado, ao Uruguai. “O Diário Oficial aponta que os servidores foram conhecer a política de prevenção ao aborto. E, agora, o governo diz que não está estudando nada nesse sentido?”, questiona Melo. Também será alvo do questionamento um convênio que teria sido firmado com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para treinar profissionais para a política de redução de danos.
“A nós, parece uma forma de justificar a implantação da política de redução de danos. Acompanhamos a experiência do Uruguai, modelo que o Brasil quer copiar, e vimos os médicos incentivando o aborto apenas, sem adotar qualquer outro tipo de medida”
Rosângela Talib, coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir
Acesse em pdf: Redução de danos em debate (Correio Braziliense – 23/06/2012)
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