23/12/2012 – “No mundo, o Brasil é o país que está mais perto do fim da epidemia de Aids”

23 de dezembro, 2012

(O Globo) Nomeado vice-diretor do Unaids, o médico brasileiro se mostra otimista em relação à doença

Esforço global. Para dar fim à aids de forma epidêmica, Luiz Loures calcula que sejam necessários 15 anos e empenho político e social em relação às populações mais vulneráveis

Como vice-diretor do Unaids, qual será a sua principal função?
Minha função será coordenar o esforço global para levar ao fim da epidemia, vou coordenar o desenvolvimento de programas neste sentido.

Quando poderemos falar em fim da epidemia de aids?
Minha previsão é de 15 anos. Digo isso baseado nos avanços científicos. Temos evidências do processo que está em andamento. As taxas de transmissão estão caindo e o tratamento está se expandindo. A questão agora é intensificar as políticas e ações neste sentido, garantir que os recursos continuem fluindo. Mas, veja, estamos falando do fim da epidemia. A aids vai continuar existindo, mas não de forma epidêmica.

Em termos de casos, quando podemos dizer que uma doença deixa de ser epidêmica?
No caso da aids, o número ainda está sendo debatido, porque varia de acordo com grupos populacionais. Mas é um momento em que existe incidência e transmissão, mas não de forma exagerada. Claro que nem todos os países vão alcançar este patamar ao mesmo tempo. Em média, eu diria que dentro de 15 anos poderemos falar em fim da epidemia. Uso esse parâmetro porque foi o mesmo tempo que levou para o tratamento estar disponível e se expandir. O Brasil tem condições de ser um dos primeiros países do mundo a dizer que tem a doença sob controle.

Por que o Brasil?
Mundialmente, é o país que está mais perto do fim da epidemia. Até porque começou mais cedo a tratar todo mundo. É uma questão histórica. Agora, o país alterou o protocolo para o recebimento do coquetel, pondo mais gente em tratamento. E está ampliando também a testagem.

O último relatório do Unaids mostrou que, pela primeira vez, existem mais soropositivos em tratamento do que sem receber o coquetel, um total de 8 milhões de pessoas. No entanto, ainda existem pelo menos 7 milhões de pessoas que deveriam estar recebendo remédios mas estão fora do tratamento. Quando seria possível zerar esta conta?
O objetivo é colocar pelo menos 7 milhões de pessoas em tratamento o mais rápido possível. Para chegar em 2015 com uma progressão importante, seria preciso ter 15 milhões em tratamento. Isso representaria todos os soropositivos de acordo com os números estimados. Mas acho que é uma estimativa conservadora. E, sobretudo por conta da mudança do protocolo de tratamento. (Atualmente, é qualificado para o tratamento o soropositivo que tem o número da molécula CD4, presente em células do sistema imunológico, abaixo de 350, um indicativo de que está vulnerável à doença). O Brasil é o primeiro país do mundo que já começou a tratar pacientes com CD4 em 500. E tudo indica que os EUA se preparam para fazer o mesmo. Por isso, acho que o número real de pessoas a serem tratadas é maior.

Na sua opinião, qual é hoje a grande dificuldade na prevenção e tratamento da aids?
É a dificuldade de acesso ao teste. Acho que é uma das barreiras mais importantes hoje. Há um número grande de pessoas que não tem conhecimento. Então as campanhas de testagem são fundamentais hoje. Não só pelo impacto no indivíduo, como também na redução da transmissão. Hoje sabemos que a pessoa que se trata não transmite. Por isso, o tratamento é uma questão prioritária, não só humanitária, mas de saúde pública mesmo. O teste, na minha opinião, é a primeira barreira.

Mas há outras?
Sim, claro. Na América Latina, por exemplo, a epidemia é predominante entre os homossexuais e, em muitos países, essas populações são criminalizadas. O mesmo acontece em países do Caribe e da África. Essa é uma grande barreira porque as pessoas que não têm segurança para ir a um serviço de saúde vão continuar se escondendo. No Leste da Europa, a predominância é de usuários de drogas. Nessa região, o uso de drogas é pesadamente criminalizado. Por conta disso, políticas de redução de danos não são adotadas, e essa população está fora do alcance do tratamento e da prevenção da aids. A violência contra a mulher, a violência sexual e doméstica, é outro problema seríssimo. Numa relação violenta nada pode ser negociado, muito menos o uso do preservativo. Há ainda problemas estruturais, de acesso, sobretudo em zonas rurais.

Os últimos números mundiais mostraram uma alta predominância entre homossexuais, inclusive no Brasil. Esse grupo foi pioneiro nos primórdios da infecção para a conscientização sobre a epidemia. Por que os números continuam altos?
Principalmente entre homossexual jovem essa é uma tendência no mundo inteiro. Mas não dá para simplificar. A criminalização do homossexual é uma questão séria sim. Em 78 países do mundo relações de pessoas do mesmo sexo são consideradas criminosas, sendo que em alguns lugares há pena de morte. Mas o aumento do número de casos não pode ser apenas relacionado a isso. Há um fenômeno sociológico também. Há falhas na transmissão de informação. Jovens que não foram expostos à fase inicial da epidemia, quando o movimento gay se mobilizou, baixaram a guarda.

Atualmente, qual é a pior região do mundo em termos de aids?
Os países africanos têm epidemias importantes no que diz respeito ao impacto e a dimensão. Mas do ponto de vista de evolução e crescimento, de tendência, eu diria que o maior problema é no Leste da Europa, onde a epidemia está muito relacionada ao uso de drogas injetáveis. É um desafio enorme. Eles são muito jovens e há pouca evidência de sucesso.

São questões muito diversas, em várias frentes. O que é possível fazer?
Temos que ampliar as ações, ter mais exemplos positivos. O Brasil foi o primeiro a tratar todo mundo. No fim dos anos 90, aqui em Genebra, eu era o único que defendia o tratamento universal. Se o Brasil não tivesse firmado pé nessa questão, a história seria diferente. Mesma coisa a testagem, que é super importante. Exemplos positivos são necessários. E debate político também. A questão da violência sexual em países em conflito e pós-conflito foi levada ao Conselho de Segurança da ONU. Da mesma forma, o uso da droga pode ser levado a um nível diferente. O usuário não pode ser tratado como criminoso, mas sim na esfera da saúde.

O senhor acha que é suficiente para alcançar o fim da epidemia?
Para levar a epidemia ao fim temos que ir além da ciência: é um debate político, de prioridade social. Eu acho que a batalha final é em relação às populações mais vulneráveis, esse é o principal desafio.

 

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