(O Dia) Leia a seguir artigo da socióloga e integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras, Angela Freitas, publicado no jornal O Dia, do Rio de Janeiro.
“Em 2005 o Brasil deu um passo à frente na democratização. Um anteprojeto estabelecendo o direito à interrupção legal da gravidez foi aprovado por Comissão Tripartite (com representantes do Executivo, Legislativo e sociedade civil) e entregue pela então ministra Nilcéa Freire a parlamentares da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. Este episódio é parte do processo contemporâneo que traz avanços, mas também gera reações contrárias, em particular de caráter religioso.
“Em 2005 o Brasil deu um passo à frente na democratização. Um anteprojeto estabelecendo o direito à interrupção legal da gravidez foi aprovado por Comissão Tripartite (com representantes do Executivo, Legislativo e sociedade civil) e entregue pela então ministra Nilcéa Freire a parlamentares da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. Este episódio é parte do processo contemporâneo que traz avanços, mas também gera reações contrárias, em particular de caráter religioso.
Em 2008, um projeto de lei pela descriminalização foi rejeitado em duas comissões da Câmara. Paralelamente, o Executivo assinava acordo com o Vaticano estabelecendo vínculos inaceitáveis para um Estado Laico. E no final de 2009, o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos foi censurado pela CNBB e por setores evangélicos. O Governo cedeu, retirando do texto o conteúdo que recomendava a descriminalização do aborto.
Nas eleições 2010 a sociedade presenciou novos acordos com segmentos de igrejas, oficiais e de bastidores, que geraram uma pressão sobre valores e questões morais inéditas desde a abertura política. Nesses acordos a liberdade e autodeterminação das mulheres sobre sua vida reprodutiva ficaram em segundo plano, desconsiderando-se direitos já conquistados e garantidos por lei.
Criminalizar o aborto não evita a prática clandestina. Legalizar, por sua vez, não significa obrigar as mulheres a fazer o que não desejam, mas sim regulamentar um procedimento que é comum na sociedade, e que acontece na solidão e insegurança. O Estado brasileiro resiste, preferindo manter a situação de descaso pela vida e saúde das mulheres — na maior parte negras e pobres — que morrem ou ficam com sequelas por práticas inseguras. Precisamos lançar luzes sobre esta questão: olhar de frente os dados e inspirar a necessária mudança legislativa pela ordem da democracia e da razão pública.”
Veja em pdf: Questão pública, por Angela Freitas (O Dia – 24/02/2011)