(IstoÉ) Nas próximas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá decidir sobre a legalização da interrupção da gravidez em caso de fetos sem cérebro. A repórter Solange Azevedo, da revista IstoÉ, entrevistou algumas das cerca de 60 mulheres que interromperam a gravidez legalmente beneficiadas pela liminar concedida pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, que permitia que grávidas de anencéfalos fizessem a interrupção. A decisão provisória vigorou entre 1º de julho e 20 de outubro de 2004.
Assista ao vídeo para ver os depoimentos.
A reportagem também ouviu pessoas que são a favor e contra a legalização. “Obrigar uma mulher a passar meses, entre o diagnóstico e o parto, dormindo e acordando sabendo que não terá aquele filho, é impor a ela um imenso sofrimento inútil. Isso viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”, afirma o advogado Luís Roberto Barroso, da CNTS.
Paulo Fernando da Costa, vice-presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, entidade católica das mais fervorosas no combate à ação da CNTS, é de opinião contrária: “Não podemos condenar uma pessoa à morte. Se essa proposta for aprovada, será aberta uma janela para a legalização completa do aborto. Existem projetos sobre o tema tramitando no Congresso Nacional desde 1991. O que esses grupos feministas não conseguem no Legislativo, tentam via Judiciário”.
Costa cita ainda a história de Marcela de Jesus – uma menina do interior paulista, que morreu em agosto de 2008, com 1 ano e 8 meses – que se tornou uma das principais bandeiras de grupos religiosos na cruzada antiaborto.
“É uma bandeira desumana. A Igreja Católica explora esse caso para mistificar uma tragédia. Marcela não era anencéfala. Tinha merocrania”, afirma o geneticista Thomaz Gollop, professor da Universidade de São Paulo e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto. O médico explica que o que distingue esse quadro da anencefalia é a presença de um cérebro muito rudimentar – um pouco mais de massa encefálica, coberta por uma membrana. Isso faz com que o indivíduo sobreviva um pouco mais, apesar de não interagir. “Quando a anencefalia é diagnosticada, não estamos discutindo a vida, mas a morte certa. Tenho esperança de que, assim como em decisões recentes, o Supremo respeite a laicidade do Estado”.
Desde 1989, mulheres têm sido autorizadas pela Justiça a interromper a gestação de fetos anencéfalos. A diferença é que, se o Supremo votar pela legalização, elas não precisarão mais recorrer aos tribunais e serão poupadas de meses de angústia aguardando uma sentença. Os hospitais públicos, assim como os planos de saúde, terão de lhes oferecer a assistência necessária.
Veja abaixo, entrevista com Thomaz Gollop, que participou das audiências públicas no STF em que se debateu a interrupção da gestação em casos de anencefalia. Médico com quatro décadas de experiência, ele falou à ISTOÉ:
ISTOÉ – O diagnóstico da anencefalia, por meio de ultrassom, é seguro?
Thomaz Gollop – É 100% seguro. Pelo menos 10 mil brasileiras conseguiram autorização judicial para interromper a gestação de fetos anencéfalos. A primeira autorização foi dada em 1989. Mas se o STF aprovar a interrupção da gravidez nesses casos, a mulher que optar por isso não terá mais de recorrer aos tribunais e sua decisão não será revestida de culpa, pois ela não estará fazendo nada ilegal. Obrigar uma mulher a manter uma gravidez de um feto inviável é submetê-la à tortura.
ISTOÉ – Como outros países tratam a questão da anencefalia?
Gollop – O aborto é livre em quase todos os países desenvolvidos. A discussão sobre a interrupção da gestação de fetos anencefálicos, em separado, é uma originalidade brasileira porque aqui esse debate é muito complicado por causa de questões religiosas.
ISTOÉ – A falta de atividade cerebral de um anencéfalo pode ser comparada à morte encefálica de um adulto?
Gollop – Pode sim. Desde os anos 60, a doação de órgãos de indivíduos com morte cerebral é permitida. Quem não tem cérebro, como é o caso do anencéfalo, é um natimorto. Estamos, portanto, discutindo novamente a morte. E não a vida. É por isso que costumamos falar em antecipação do parto, e não em aborto.
Acesse essa reportagem em pdf: A vida depois do aborto (IstoÉ – 29/07/2011)
Contato com o entrevistado:
Thomaz Rafael Gollop, professor adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí/SP e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA)
São Paulo/SP – 11 5093-0809 – [email protected] / [email protected]