(Johanna Nublat, da Folha de S.Paulo-DF) Vice-procuradora-geral defende a descriminalização de aborto de anencéfalo. Para Deborah Duprat, decisão positiva em votação hoje no STF ‘não abre porta’ para o aborto em geral
A potencial decisão de liberar o aborto de fetos anencéfalos, na pauta de hoje do STF (Supremo Tribunal Federal), não abre a porta para a legalização do aborto de forma geral ou do aborto de qualquer má-formação fetal.
Assim entende Deborah Duprat, vice-procuradora-geral da República e autora do parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República) que, em 2009, argumentou pela possibilidade desse aborto no caso agora em julgamento.
Para Duprat, o que se discute no STF é “o direito da mulher de não passar por um sofrimento enorme”.
Frase
“[O aborto de anencéfalos] Não significa eugenia. Não estamos tratando de qualquer má-formação”
DEBORAH DUPRAT – vice-procuradora-geral da República
Folha – Quais são os principais argumentos a favor da possibilidade de aborto nesses casos de fetos anencéfalos?
Deborah Duprat – Mais que argumentos jurídicos, são argumentos de fato. Principalmente a possibilidade de diagnóstico seguro da anencefalia e a constatação de que a anencefalia resulta sempre em morte. Não há possibilidade de sobrevida, salvo por, no máximo, alguns dias.
E os casos que temos de crianças que vivem mais…
São erros de diagnóstico do passado, que não aconteceriam no presente.
A sra. tem perspectiva positiva para a decisão de hoje?
Positiva. Não estamos aqui, talvez, nem entrando na questão da discussão da legalização do aborto. O que se trata aqui é de ponderar o direito da mulher de não passar por um sofrimento enorme, comprometer sua autonomia de vontade, sua liberdade, sua privacidade e a sua saúde em face de algo que não é vida sequer em potência.
Essa decisão sobre anencéfalos poderia transbordar para outras liberações, como ocorreu com a união homoafetiva?
Acho que não. A questão da anencefalia se aproxima muito da disposição do Código [Penal] que permite o aborto no caso de sério risco da saúde da mulher, porque causa um sério risco psicológico à mulher. Não estamos abrindo nenhuma porta, ainda, para o aborto. A não ser que sejamos surpreendidos com considerações outras.
Nem para outras má-formações de um feto?
Não, não significa eugenia, é você ter um direito da mulher em face da ausência de vida. Não estamos tratando de qualquer má-formação.
Há algum argumento válido “do outro lado” do debate?
Estamos num Estado laico, neutro em relação às opções religiosas. Afastando o lado religioso e o da moral individual, os argumentos de ordem técnica da existência ou não de sobrevida, e entrando apenas na discussão pública da questão, não vejo qualquer argumento relevante.
Acesse em pdf: Grávida tem direito de não sofrer, afirma procuradora (Folha de S.Paulo – 11/04/2012)