(El País, 17/02/2016) O vírus foi descoberto no líquido amniótico semanas depois de a doença ter sido detectada na gestante
Um novo estudo brasileiro publicado nesta quarta-feira na Lancet, uma das principais revistas científicas do mundo, aponta que o zika vírus é capaz de atravessar a placenta durante a gestação, podendo assim contaminar o feto. Segundo os autores, o achado oferece evidências empíricas da associação entre a infecção pelo vírus durante a gravidez e a microcefalia fetal, o que oferece mais uma peça para o quebra-cabeça que se desenha no Brasil desde outubro passado, quando os casos da malformação começaram a aumentar no país.
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A conclusão dos pesquisadores foi feita depois de detectada a presença do vírus no líquido amniótico de duas mulheres, uma que apresentou sintomas da doença, e outra que foi diagnosticada com zika durante a gestação. Em ambos os casos, os bebês nasceram com microcefalia.
De acordo com uma das autoras do estudo, Ana de Filippi, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro, a presença do vírus zika no líquido amniótico é um indicativo de que ele pode ultrapassar a barreira placentária e potencialmente infectar o feto. Porém, o estudo não é capaz de cravar a relação entre o zika vírus e a microcefalia. “Embora o vírus zika tenha sido o único agente infeccioso encontrado no líquido amniótico [dessas mulheres], ainda assim, estudos complementares são necessários para confirmar que este vírus é a única causa da microcefalia nesses casos”, disse.
Para realizar o estudo, foi feita uma coleta do líquido amniótico das duas gestantes na 28ª semana de gestação. Uma delas teve zika na 10ª semana, e a outra apresentou os sintomas da doença na 18ª semana. Segundo a pesquisadora, o fato de o vírus ter sido encontrado mais de dois meses depois da detecção da doença nas gestantes aponta para a persistência dele no útero.
As duas mulheres que participaram da pesquisa são da Paraíba, o segundo Estado com maior número de notificações de microcefalia do país, atrás somente de Pernambuco. No primeiro caso, a gestante, de 27 anos, apresentou coceiras e vermelhidão nas mãos e nas costas, febre e dor de cabeça na 18ª semana de gestação. Os sintomas foram diagnosticados como uma alergia e tratados com hidrocortisona, um antialérgico. Até a 16ª semana de gravidez o feto não apresentava nenhuma anomalia.
Porém, um ultrassom realizado na 27ª semana confirmou a microcefalia. Exames foram feitos na mãe, que não tinha doenças como diabetes ou pressão alta. Ela afirmou não ter tomado nenhum medicamento além da hidrocortisona, não ter viajado para outros Estados do país nos últimos anos e não ter tido contato com nenhuma doença. O bebê nasceu na 40ª semana com a cabeça medindo 30 centímetros. Pelos parâmetros do Ministério da Saúde, um bebê saudável deve apresentar ao menos 32 centímetros de perímetro cefálico (tamanho da cabeça).
No segundo caso, a gestante, de 35 anos, procurou atendimento médico na 10ª semana de gravidez, ao apresentar sintomas do zika vírus. Na 22ª semana, o ultrassom apontou que a circunferência do cérebro do feto estava menor do que o normal. A microcefalia foi confirmada na 25ª semana de gestação. Em ambos os casos tratava-se da primeira gestação. As mulheres não apresentavam nenhuma doença autoimune e afirmaram não fazer uso de drogas, álcool, cigarro ou medicamentos durante a gestação, outros fatores que podem levar ao desenvolvimento da microcefalia.
Foram testados o sangue, urina e o líquido amniótico das mulheres para dengue, zika e chikungunya. Os resultados foram positivos apenas para o zika vírus, detectado apenas na placenta. Sangue e urina não apresentaram o vírus.
A pesquisa também conseguiu sequenciar o genoma completo do vírus da zika e mostrou que ele é bastante parecido com o que circulou na Polinésia Francesa em 2013. Outros estudos já haviam apontado que o vírus que hoje castiga o Brasil tem origem nas ilhas do Pacífico. “É interessante notar que também foi identificado um aumento na ocorrência de malformações congênitas na Polinésia [naquela época]”, afirma a pesquisadora.
Essa não é a primeira vez que se detecta que o zika é capaz de atravessar a placenta. Em janeiro, o Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz do Paraná, confirmou essa possibilidade. Nesse caso, a pesquisa foi feita com uma mulher no nordeste que havia sofrido um aborto retido – quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero – durante o primeiro trimestre da gravidez. A suspeita ocorreu porque na sexta semana de gravidez, a gestante afirmou ter apresentado sintomas como manchas vermelhas pelo corpo, que podem ser atribuídos ao zika. O aborto foi detectado em exame na oitava semana e amostras da placenta começaram a ser estudadas até se detectar o RNA do vírus zika no tecido da placenta.
Marina Rossi
Acesse no site de origem: Novo estudo sugere que zika vírus pode atravessar a placenta (El País, 17/02/2016)