O processo legislativo em mudança e a rapidez do PL do Estupro na Câmara

24 de janeiro, 2025 UOL Congresso em Foco Por Coletivo Legis-Ativo e Michelle Fernandez

Em meados de junho de 2024, um assunto em particular tomou conta do debate público brasileiro: o chamado “Projeto de Lei do Estupro”, ou, oficialmente na nomenclatura do Congresso Brasileiro, PL 1904/2024. Além de claramente polêmico pelo seu conteúdo (equiparar o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de gravidez resultante de estupro), essa proposição legislativa também chamou a atenção daqueles que acompanham o Congresso ou o processo legislativo brasileiro pela rapidez na sua tramitação. Apresentado na metade de maio daquele ano, em menos de um mês esse projeto de lei já tinha um requerimento de “urgência urgentíssima” aprovado (artigo 155 do Regimento Interno da Câmara), o que significa que poderia ser colocado imediatamente em votação no Plenário da Câmara dos Deputados, sobrepondo todo o usual e geralmente longo debate dentro da Casa, incluindo as discussões do sistema de comissões. Esse exemplo nos mostra que as regras da Câmara parecem estar, na prática, em processo de mudança, se movendo de acordo com as forças políticas organizadas nessa instituição.

Entender a dinâmica do Legislativo envolve entender que a aparente unidade e estabilidade das regras do jogo vistas de fora não se refletem necessariamente na prática legislativa. A Câmara de hoje não é a mesma de 2015, que não é a mesma de 2005, apesar de estarmos falando da mesma instituição. E isso tem um impacto profundo em diversas frentes, dentre elas o rearranjo de poderes em torno de quem de fato conduz a agenda política do país. As mudanças internas também afetam a maneira como políticas públicas para o país são propostas, discutidas, e aprovadas (ou rejeitadas). O Congresso – e a Câmara dos Deputados em particular – tem o poder de influenciar as políticas públicas do país, mesmo as que não são elaboradas pelos próprios congressistas, já que podem modificar e deixar sua marca em, por exemplo, medidas provisórias (MPs) que são apresentadas pelo presidente. Sendo assim, modificações nas regras internas do Congresso (ou na interpretação das regras) afetam significativamente a população em geral.

Mudanças das regras do jogo não são incomuns no âmbito do Legislativo. Um caso digno de nota é o que fez Michel Temer, então presidente da Câmara dos Deputados, no ano de 2009, ao reinterpretar o artigo 62 da Constituição para impedir que MPs tivessem prioridade sobre a análise de diversos tipos diferentes de proposição, o que acabou sendo referendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) algum tempo depois. Na teoria, nenhuma regra foi alterada; na prática, uma reinterpetação da Constituição como essa muda significativamente a forma como o Legislativo trabalha, afetando também a balança de governabilidade. Nesse caso, o Executivo perdeu um importante mecanismo de controle da agenda do Congresso.

Se aponta que a tendência de mudança se intensificou nos últimos anos, principalmente após a presidência de Eduardo Cunha na Câmara. Cunha foi eleito para liderar a Casa em 2015 com uma forte promessa de promover uma maior independência do Legislativo, justificado por uma necessidade de ter maior produtividade em termos de aprovação de propostas. Isso, contudo, dificilmente seria feito sem mudanças significativas no rito legislativo. Além de propostas de mudanças do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) que facilitariam a tramitação de MPs e PECs, a presidência de Cunha foi marcada por uma forte concentração de poderes em torno de si, levando reuniões institucionais para sua casa e voluntariamente ignorando parte do processo legislativo, como o debate em comissões.

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