O que acontece quando se amamenta no Congresso?

15 de janeiro, 2016

(El País, 15/01/2016) A posse do novo Congresso espanhol nesta semana começou com uma polêmica. Mas não a que seria esperada diante de um cenário de intensa divisão política, como a que ocorre atualmente no país. Mas uma inesperada, que acabou ensejando uma discussão sobre maternidade e amamentação. A deputada do esquerdista Podemos, Carolina Bescansa, foi criticada por levar seu bebê de cinco meses ao Plenário e amamentá-lo.

Ela justificou a ação, dizendo que “é preciso dar visibilidade ao que há nas ruas dentro da instituição” e seu partido afirmou que “foi um gesto simbólico, pela reivindicação de todas as mulheres que têm que conciliar a vida pessoal e profissional e atualmente não podem”. Em resposta, ouviu de parte dos políticos espanhóis que o gesto foi uma “lamentável instrumentalização de crianças com fins políticos” e um “mau exemplo, desnecessário”, já que na Casa há uma creche. A polêmica, é claro, ganhou as redes sociais espanholas, entre memes e discussões mais sérias. Entre elas, críticas de mulheres que disseram que o gesto reforça a imagem de que só a mãe é responsável pela criação do filho.

E no Brasil, o que aconteceria se uma parlamentar levasse seu bebê e o amamentasse em meio a uma sessão plenária?

Segundo as deputadas entrevistadas pela reportagem, não há registros de políticas federais que tenham amamentado em sessões. Mas a deputada estadual do Rio Grande do Sul, Manuela d’Ávila (PCdoB), passou pela experiência no final do mês passado. Mãe de Laura, de quatro meses, ela levou a bebê para uma sessão extraordinária na Assembleia no último dia 27, onde ficou das 10h às 2h do dia seguinte em votação. Laura se revezou entre ela, na sessão, e o marido, no gabinete, e foi amamentada no Plenário. “Amamentei na sessão, na sala dos deputados e no café. Foi absolutamente tranquilo e, se alguém se ofendeu, não teve coragem de dizer”, afirmou. “E, se alguém questionasse, teria que [me] responder como a Casa do Povo não respeita o direito da criança. Mamar até o sexto mês é um direito dela. Se não garantem a licença [pelos seis meses]…”, complementa.

O Brasil aprovou em 2008 a ampliação da licença maternidade de quatro para seis meses, período no qual a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a amamentação exclusiva. A opção, entretanto, é facultativa para os empregadores e nem todos optam pelos dois meses extras de licença. Laura mamará no Plenário pelo menos até os seis meses, garante ela. Não há creche na Assembleia.

A boa aceitação vista por d’Ávila nesta primeira experiência, no entanto, não é um sinal de que as pessoas estão mais preparadas para receber mães que amamentam em público. Em novembro, um post de uma usuária do Facebook que acusou de “falta de bom senso” uma mãe que aparecia amamentando sua filha enquanto andava de bicicleta e disse que a imagem mostrava “pobre fazendo pobrice” acabou em uma avalanche de protesto nas redes sociais. Várias mulheres também relatam terem sido reprimidas ao amamentarem em público e os casos foram tantos, e tão polêmicos, que São Paulo decidiu aprovar no ano passado uma lei que pune quem proíbe a mulher de amamentar em público. O Rio Grande do Sul fez o mesmo em seguida.

A própria D’Ávila é uma prova de que ainda há intolerância com o fato no país. Nesta quarta-feira ela recebeu críticas após ter uma foto sua, amamentando, publicada em um blog do jornal Folha de S.Paulo. Uma das críticas dizia que a imagem era uma “exposição desnecessária da mama de uma deputada” e ressaltava que ela deveria “apenas falar o que faz sem mostrar”. “Depois reclamam de assedio e [de] falta de respeito”, arrematou o comentarista. Indignada, a deputada respondeu: “Esse peito não é de deputada, é da mãe da Laura”. Ao EL PAÍS, ela explicou: “É sempre assim, se eu não amamentasse eles iriam cobrar o direito da bebê. Se amamento, estou expondo. Na verdade, eles não se conformam com mulheres ocupando espaços de poder”.

Se a situação fora da política já está longe da ideal, dentro de um espaço historicamente dominado pelos homens ela tende a ser pior. Na Câmara, existem 50 mulheres dentre os 513 deputados. No Senado, são 12 senadoras dentre 81. Em um cenário como esse, planejar políticas trabalhistas que facilitem a vida das parlamentares não é uma prioridade. As senadoras, por exemplo, ganharam apenas em 2016 um banheiro feminino dentro do Plenário. Até 2015, a facilidadeestava disponível apenas para os homens. “Os parlamentos brasileiros não estão nada preparados para as mulheres”, ressalta a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), procuradora da mulher no Senado. Não há creches disponíveis, na Câmara ou no Senado, para os filhos das parlamentares. E, por regimento, a licença após a gestação é de quatro meses. Não houve, entretanto, nenhuma parlamentar grávida desde que a lei foi alterada e as assessorias do Senado e da Câmara dizem que, quando houver, o tempo de licença será avaliado.

BEBÊS POLÍTICOS PELO MUNDO

A senadora espanhola Yolanda Pineda, del PSC, em 2012. (Foto: K. Huesca/EFE)

A número três do Podemos, Carolina Bescansa, não foi a primeira mulher a levar seu filho ao Parlamento. Aqui, outras histórias:

1. Deputada e mãe ao mesmo tempo (2009): A eurodeputada dinamarquesa Hanne Dahl foi ao Parlamento Europeu com seu bebê em 2009.

2. Lizia Ronzulli em sua cadeira no Parlamento Europeu, com o seu bebê (2010): A eurodeputada italiana Licia Ronzulli recebeu os aplausos de seus colegas ao ir votar no Parlamento com seu bebê, em solidariedade a “mulheres que não podem conciliar” trabalho e maternidade.

3. Um bebê na cadeira (2012): A senadora espanhola do PSC Iolanda Pineda levou seu filho para o plenário do Senado. “Eu decidi vir com ele primeiro porque estou amamentando e não podemos nos separar muito um do outro. Depois porque ontem a Câmara aprovou a opção de votação eletrônica durante a licença maternidade e eu acho que é uma discriminação que isso seja feito em uma Casa e na outra não”, disse.

4. Um bebê na Assembleia de Madri (2015): Em agosto do mesmo ano, a deputada Mónica García chegou à Casa com a sua filha e apresentou um projeto para ampliar a licença maternidade.

5. Na Argentina, mamar e votar (2015): Em julho do ano passado, a congressista argentina Victoria Donda Pérez não só levou para a Câmara sua filha Trilce, como a amamentou durante a votação. A imagem viralizou.

6. As acusações de machismo no Chile (2015): A líder estudantil chilena Camila Vallejo, que ficou conhecida nos protestos de 2011 no país, assumiu seu cargo de deputada com o bebê no colo em 2014. No ano passado, ela levou a filha novamente a uma sessão e foi criticada por um deputado. Em resposta, acusou-o de machismo.

Talita Bedinelli

Acesse no site de origem: O que acontece quando se amamenta no Congresso? (El País, 15/01/2016)

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